quinta-feira, 17 de novembro de 2011

PROGRAMA DE APROVEITAMENTO DE ALIMENTOS NÃO CONSUMIDOS

A Câmara Municipal de Juazeiro do Norte promulgou recentemente e fez publicar no Diário Oficial do Município (27.10.2011) a Lei N.º 3921, de 18.10.2011, que dispõe sobre a criação do programa de aproveitamento de alimentos não consumidos, nos seguintes termos: Art. 1.º - Fica Criado o Programa de Aproveitamento de Alimentos Não Consumidos, coordenado pelo Governo Municipal, com o objetivo de fomentar a atividade de captação e distribuição de alimentos, diretamente ou por meio de entidades previamente cadastradas, conforme disposto nesta Lei, às pessoas, aos grupos ou às famílias em estado de vulnerabilidade nutricional. Parágrafo Único – O programa terá como objetivo arrecadar junto as indústrias, cozinhas industriais, restaurantes, mercados, feiras, sacolões ou assemelhados, alimentos, industrializados ou não, preparados ou não, que, por qualquer razão, tenham perdido sua condição de comercialização plena e segura para o consumo humano, segundo o órgão municipal competente. Art. 2.º - A coleta e a distribuição dos alimentos doados deverão ocorrer em condições adequadas e devidamente autorizadas pela autoridade sanitária municipal, mediante solicitação do doador. Parágrafo Único – Poderão habilitar-se como doadores, pessoas físicas ou jurídicas, responsáveis pelos estabelecimentos referidos no artigo anterior. Art. 3.º - A coleta e a distribuição de alimentos aos beneficiários, previstas no art. 1.º, ocorrerão por meio de instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos, previamente cadastradas, conforme critérios a serem definidos através da Secretaria de Assistência Social. Parágrafo Único – As instituições públicas ou privadas que promoverem a coleta e distribuição de alimentos deverão informar periodicamente o número de pessoas e famílias atendidas com as doações, preservando a idoneidade das pessoas físicas beneficiadas. Art. 4.º - O Poder Executivo fomentará o programa, de acordo com os critérios que vier a definir, buscando racionalizar a coleta e a distribuição. Parágrafo Único – O Poder Executivo poderá celebrar convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres com órgãos e entidades públicas ou privadas, objetivando a operacionalização das ações previstas nesta Lei. Art. 5.º - O Poder Executivo deverá promover campanhas de esclarecimentos e estímulo a doação, a redução de desperdício, ao aproveitamento integral de alimentos e as demais atividades de educação para o consumo. Art. 6.º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei. Art. 7.º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. O autor deste Projeto de Lei foi o então vereador Amarílio Pequeno da Silva, lamentavelmente assassinado recentemente. Vamos traduzir brevemente este dispositivo legal. O poder público reconhece que na cadeia de negócios de alimentos, em qualquer instância, é desejável que se estimule a doação. A prefeitura deverá regulamentar a lei, criando uma sistemática para que estes produtos sejam coletados e distribuídos por instituições habilitadas que os destinariam a famílias necessitadas. Mas, uma coisa me chamou a atenção pelo que me parece uma grosseria. Costuma-se dizer que numa lei o parágrafo único é que desgraça o espírito da lei. E foi, exatamente no Parágrafo Único que encontrei: ...alimentos, industrializados ou não, preparados ou não, que, por qualquer razão, tenham perdido sua condição de comercialização plena e segura para o consumo humano, segundo o órgão municipal competente. Ora, como pode um programa visar a arrecadação e a distribuição do que não é mais seguro para consumo humano, conforme venha atestar a vigilância sanitária competente? LAMENTÁVEL.
Até posso relatar, brevemente, o que me aconteceu há vários anos atrás, quando participei de um projeto piloto visando tal propósito. Fui convidado e aceitei, da parte da ABRASEL, Fortaleza, para iniciar uma experiência que visava a coleta de cardápios não consumidos em alguns restaurantes da orla marítima de Fortaleza. Com o que era recolhido, entre 18 e 24 horas, em dois estabelecimentos, fazíamos um delicioso sopão, num volume de cerca de umas 2 toneladas por noite, que era distribuído pela madrugada, imediatamente, ainda quente, armazenado em recipientes térmicos, com comunidades carentes. Para isto, tínhamos o auxílio logístico de Bombeiros e Polícia Militar. Tínhamos, evidentemente, todos os cuidados para verificar minuciosamente a qualidade dos ingredientes, nos mais distintos critérios (sensorial, físico, físico-químico e microbiológico). Acompanhávamos, auxiliados por alunos bolsistas da UFC, de Engenharia de Alimentos e Economia Doméstica, toda a cadeia de processo e distribuição e fazíamos visitas aos beneficiados para ir acompanhando, tanto a empatia com o produto, como eventuais problemas que viessem a ocorrer. Felizmente, fruto do elevado escrúpulo e responsabilidade da equipe, nada de relevante ocorreu, senão a satisfação dos grupos atendidos. Infelizmente, alguns meses depois o projeto foi descontinuado, sem maiores explicações. O que esta Lei municipal em Juazeiro do Norte preconiza é perfeitamente possível de ser realizado, e até louvo. Contudo, temos que alertar a grave imperfeição de sua redação, uma vez já promulgada. Pode-se, isto sim, fazer aproveitamento de matéria alimentar que não tem mais a condição de comercialização plena. Mas é absolutamente imoral utilizá-lo se ele não tem condição sanitária para tal. Há em curso no país, um amplo programa multiinstitucional de Segurança Alimentar, cuidando de toda a cadeia. Apelo, portanto, ao Sr. Prefeito municipal que vete esta lei, se assim for da sua competência, e ela seja devolvida para a Câmara, para que seja refeita, de acordo com princípios técnicos, legais e éticos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo plenamente com o Dr. Renato Casimiro. O autor do projeto de lei em comento usou de uma redação infeliz que carece de correção, sob pena de possíveis sérios prejuízos à saúde dos beneficiários finais do programa alimentar instituído por essa lei municipal de Juazeiro do Norte. Feitas as devidas correções, aposto no sucesso desse programa, se bem gerenciado.

savia_ferraz@yahoo.com.br disse...

Convém avaliar com critérios técnicos para que a população carente de Juazeiro não seja mais uma vez prejudicada considerando inclusive, a total ausencia de condições adequadas dos alimentos vendidos nos mercados e feiras populares da nossa cidade!