segunda-feira, 17 de outubro de 2011

JUAZEIRENSES DESCONHECIDOS

Durval Aires de Menezes


                        
Durval Aires de Menezes nasceu na cidade de Jua­zeiro do Norte, aos 13 de fevereiro de 1922. Veio ao mundo na Rua do Brejo, que ele próprio definiria como "a menor rua do mundo". Era filho de Otávio Aires de Menezes e Marieta Franca de Menezes. Na maturidade, no seu discurso de posse na Academia Cearense de Letras, Durval falou um pouco de sua vida, com o fascínio de um caririense autêntico. Diz ele: “Sou um homem teimoso e obstinado. Se não o fosse, certamente aqui não estaria. Teria permanecido, como tantos outros, na "mi­nha cidade pacata banhada de azul e vento". Na Rua do Brejo, em Juazeiro. Para todo o sempre, "um menino triste espan­tando graúnas". Descendendo, em linha reta, de famílias tradicionais, cujas raízes econômicas se fincavam nos engenhos, é provável que eu fosse hoje um comerciante próspero. Um rico plantador de cana e de arroz. Ou - quem sabe? - um jogador profis­sional. Um marginalizado. Um homem consumido pela soli­dão, pelo álcool, talvez - que esses são os caminhos quase sempre percorridos. Não quis ficar. Emigrei. Bati asas. Ganhei mundo. Per­maneço fiel às minhas origens. E espero viver ainda o sufi­ciente para aprender muito. Para produzir muito.” O Juazeiro ainda seria uma memória viva em sua obra. No poema Analogia ele nos diz:  “Juazeiro – cidade minha / Timbaúba, Salgadinho, / Malvas, Boca das Cobras./ Infância de sonhos nunca possuídos / O que não fui, caudalosos rios, / Menina salva, balsa encalhada nos mofumbos”. No poema Canto, dedicado a Alberice, ele voltaria a referir seu amor ao Cariri: "Quisera te contar toda a beleza / de um mundo novo que se plasma / Mas sou um simples camponês / nascido nas terras imensamente / alegres e verdes do Vale do Cariri / e nada aprendi além de amar a terra / e nem sei quantas cores possui o arco-íris./No entanto se pousasses tua cabeça no meu ombro / e me deixasses beber todo o lirismo / que há na quietude dos teus gestos / eu te contaria como é belo / um açude que eu conheço / e um rio que nasceu na minha infância."
As primeiras letras, Durval as teve no Grupo Escolar Padre Cícero e na Escola Normal Rural, onde ali fez o curso primário. Em 1937, veio morar em Fortaleza. Empregou-se na firma Laboratório Malvil, ficando poucos anos nesta atividade. Em 1940 ingressou no serviço militar, como praça, no 23º Batalhão de Caçadores. Em 1941 e por dois anos serviu na Base Aérea de Fortaleza. Nesta mesma época estudou no Colégio Lourenço Filho, e fez os preparatórios para o antigo Exame de Licença, que correspondia ao Ginásio. São desta época os seus primeiros poemas e con­tos, que aparecem publicados no jornalzinho José, que era feita por iniciativa do poeta Antonio Girão Barroso. Tornou-se profissional da imprensa em 1946, como redator-chefe de O Estado, de que eram diretores os seus amigos Cláudio e Fran Martins. Trabalhou na Tribuna do Ceará e na Gazeta de Notícias (onde ficou 16 anos), de que foi diretor. Desenvolveu, ainda, atividades na Folha do Povo, no Democrata e no Diário do Povo. Fundou e dirigiu, com Egberto Guilhon, o tablóide Sete Dias, a primeira expe­riência de jornal a cores no Ceará. Trabalhou também na Rádio Urapurú, sendo redator do famoso programa Antena Política. Com a aquisição da Gazeta de Notícias pelo O Povo, Durval se transferiu para o jornal da família de Demócrito Rocha, trabalhando como editorialista. Por último esteve no Diário do Nordeste, onde entrou em 1983 e exercia a função de editorialista, até quando faleceu. Exerceu alguns cargos pú­blicos como o de Técnico administrativo no antigo Departamento Nacional de Endemias Rurais – DNERU, na Divisão de Imprensa do Gabinete do Reitor, na gestão de Antonio Martins Filho, da UFC, e na Assessoria de Imprensa do Prefeito Municipal de Forta­leza, na gestão de Vicente Fialho. Exerceu as funções de diretor de fiscalização e orientação do ensino e de chefe de gabinete da Secretaria de Educação, na gestão do Dr. Cláudio Martins. Em 1948 Durval casou-se pela primeira vez com Raimunda Pinto de Araújo. Sua esposa veio a falecer prematuramente, pouco tempo após o nascimento de sua filha Biana Aires. Biana é nossa colega de AFAJ, e é casada com o conselheiro César William Bezerra Maia. Em 22.10.1953, Durval Aires e Alberice Machado de Menezes contraíram núpcias, e para este casamento, vieram dez filhos: Durval Aires Filho, e os netos Nélida, Clarisse, Saulo e Maria Clara; Francisco Otávio de Menezes, e os netos Fábio, Davi, Lara e Francisco Otávio, e deste os bisnetos Gustavo e Ana Lia; Túlio Regis de Menezes e os netos Leonardo e Rafael; Reginaldo Jorge de Menezes e o neto Samuel; Reinaldo Jorge Aires de Menezes e os netos Durval Aires de Menezes Neto, Daniel e Sara, e desta o bisneto Pedro Henrique; Alberice Maria de Menezes, sem descendentes; Cláudio Henrique de Menezes e os netos Júlia e Yuri; Maria da Gloria Menezes e a neta Lívia; Regina Cláudia de Menezes, sem descendentes; e Ilca Maria de Menezes, e o neto Davi. A obra completa de Durval Aires de Menezes, se assim podemos denominar, está contida em: poemas e artigos literários na revista Clã, grupo a que ele pertenceu, e em diversos outros jornais e revistas pelo Brasil. Alguns de seus poemas figuram na Antologia de Poetas Cearenses Contemporâneos, editada pela UFC, em 1965. Ficcionista inovador, primoroso, e muito criativo, publicou quatro livros, quatro novelas-reportagens: Barra da Solidão, 1964; Os Amigos do Governador, 1965; O Manifesto, 1984; e Uma Estrela na Manhã (1994). Este último, terminou sendo obra póstuma, pois o Programa Editorial da Casa de José de Alencar, da UFC, resolveu editar um volume único com as quatro novelas. Suas novelas serviram de tema ao livro de F. S. Nascimento, A Estru­tura Desmontada, editado pela UFC em 1972, um marco dos mais expressivos inaugurado por seu autor, com respeito a uma crítica literária sincera e muito aprofundada. Também são muito importantes as considerações de Dimas Macedo e César Barros Leal, para uma compreensão do estilo e da temática vivenciados por Durval Aires. Ele também publicou um livro denominado A Universidade Federal do Ceará e a sua Dimensão no Nordeste em Mudança (1967), uma monografia para o resgate da história da UFC. Mercê de méritos intelectuais notáveis, Durval Aires de Menezes foi eleito e tomou posse na Academia Cearense de Letras, em 12.05.1972, na cadeira 27, sucedendo a Adonias Lima, cujo patrono é o notável Manuel Soriano de Albuquerque. Nesta oportunidade ele fala um pouco de si: “Não sou de fácil relacionamento. O corpo-a-corpo em que vivo, empenhado na luta pela sobrevivência, tem me deixado marcas profundas. Não sou, porém, um homem amargo. Não carrego decepções que não saiba identificar. E, precisamente por isso, acredito no futuro. Diria melhor: no presente. Não um dia qualquer. Uma data perdida no calendário do tempo. Que novas são as experiências e amplos os caminhos que estamos percorrendo.” Ao se referir ao presidente da Academia, Cláudio Martins, que o saudava na ocasião, seu amigo, desde a infância no Juazeiro e pelas ruas do Crato, ele revelava: “Entre mim e Cláudio existem pontos de contatos, afini­dades e querências. Uma origem quase comum determinando a nossa aproximação. Caminhos que saindo da Casa da Torre cruzam-se na Casa Grande da Mangabeira, passando pelas "terras imensamente alegres e verdes do Vale do Cariri”. Mas isso não impediu que Cláudio Martins tivesse uma infância pobre. Nem que eu me aproxime da velhice enfren­tando contingências existenciais que parecem não ter fim. Creio, acima de tudo, que é esse passado de terra verde, de serras e rios, de cangaceiros e beatos, que nos une. Que nos transforma, novamente, em meninos libertos, desenhando mulheres e pássaros nas lajes brancas das ruas do Crato, dan­do mergulhos e cangapés nas enchentes do rio Salgadinho.” Sobre a posição ideológica de Durval Aires, valho-me do depoimento de César Barros Leal, ao sucedê-lo na Academia Cearense de Letras: “Marxista, participou da criação de uma célula do Partido Co­munista dentro do Serviço Nacional da Febre Amarela e elegeu-se suplente no Comitê Estadual do PCB. Fiel a seus ideais, combativo, chegou a ser encarcerado mais de uma vez, inclusive nos porões do DOPS, por promover pichações que reivindicavam a renúncia do Presidente Gaspar Dutra. Dizia-se na época um agitador de massas e é bem verdade que lutou com destemor na Praça José de Alencar, nos distúrbios que se seguiram ao assassínio de Jaime Calado, ten­do sido ferido por um cavalariano, a golpes de sabre. Sua militância no Partidão findou em 1958, pelo imperativo de divergências inter­nas insuperáveis. Homem simples, íntegro, de apego acendrado às suas raízes interioranas, rígido em seus princípios e suas posições ideológicas, Durval, sem formação universitária, autodidata, era um humanista, de sólida cultura, amante da música e, segundo a confidência de amigos íntimos, nemine discrepante, um bom compositor. Aparente­mente de difícil relacionamento, mas de conversação agradável, polemista, boêmio, freqüentador renitente do antigo Café da Im­prensa, na rua Guilherme Rocha - onde, relembra Carvalho Noguei­ra, "o encontro não tinha hora para começar, ia começando, ia acon­tecendo" -, foi sempre um amigo prestimoso, que acudia os iniciantes na imprensa, em que, aliás, formou, junto com Odalves Lima e Mo­rais Né, igualmente falecidos, o trio dos maiores editorialistas que o Ceará jamais viu nascer. De recursos financeiros limitados, não dis­farçava seu desdém pelas elites, pelos ouropéis da fortuna material e, na austeridade de sua postura ética, nunca fez concessões como jornalista.” Das maiores tristezas experimentadas por este idealista está o amargo sabor da sua expulsão do PCB, uma angústia vivida por longos anos. Por conta desta expulsão perdeu o cargo que tinha no antigo DNERU. Quando do golpe militar de 1964, Durval foi preso por nove dias nas dependências da 10ª Região Militar. Teria sido para tomada de depoimentos, algo que durou uma eternidade para sua mulher, filhos, parentes e amigos. Na madrugada de 27 de agosto de 1992, aos 70 anos, expi­rou Durval Aires de Meneses. Um câncer de próstata fê-lo sofrer por cinco meses. Na véspera de sua partida recebeu a unção dos enfermos e as orações de D. Aloísio Lorscheider que o visitou algumas vezes na Santa Casa de Misericórdia. Como assinalou César Barros Leal, que o sucedeu na Academia, “Emudeceu o jornalista, o poeta, o homem de múltiplos talentos, que migrou do Juazeiro para a imor­talidade e agora, na singela imagem de seu colega Luciano Bar­reira, "anda por galáxias, catando reluzentes estrelas na luta con­tra o obscurantismo". Duas homenagens hoje lembram a figura impar de Durval Aires de Menezes na região metropolitana de Fortaleza: uma rua com seu nome no bairro das Dunas, em Fortaleza, e a Escola Municipal jornalista Durval Aires de Menezes, em Maracanaú, onde residia ao falecer. Três dias após a sua morte, o jornal Diário do Nordeste, de 30.08.1992 publicou seu último escrito, "Elegia Antecipada", onde se lê a advertência: "Por favor, não ponham nenhum retrato meu na parede. Quando alguém quiser se lembrar de mim - evidência de que já esqueceu a minha voz, a cor do meu cabelo - basta olhar para baixo dessas árvores - cajueiros, coqueiros, mangueiras e outras que ainda fica­rão aqui por muito tempo: crescendo e brotando da água que eu reguei e das raízes que acariciei na leveza das horas e do rápido tempo que passou. Não se assustem. Aquele vulto não é uma alma penada. Sou eu, andando pelos lugares que sempre quis e mais amei. E se fico assim, quase disperso, um tanto nuvem, talvez meio fumaça, é por­que, mesmo sendo apenas um vulto, tenho os olhos embaçados pe­las saudades dos meus filhos, dos meus netos, de minha compa­nheira: a travessia curta ou longa, mas com muito amor e sem per­der as esperanças". 

2 comentários:

Lívia Aires de Menezes Oficial disse...

Achei lindíssima a homenagem lembrados e esquecidos que o sr.Renato Casimiro prestou para um dos que mais contribuíram tanto na literatura , com seus livros geniais , como também na política, já que Durval foi um comunista nato,e lutou pela Democracia de nosso país, sendo inclusive preso e torturado. Meu avô realmente foi um grande homem, e nos orgulha até hoje. Um grande abraço ao sr. Renato Casimiro.

Teacher Disney disse...

Sou neto de Chico Aires Lobo renomado ourives do Caririe. Meu pai Francisco Juarez Campos Aires sempre nos conta as estórias e fatos do Juazeiro. Tenho muito apreço por toda a família. Parabéns pelo post!