quinta-feira, 16 de março de 2023

Um santo ainda não canonizado : texto de Dom Samuel Dantas, OSB

 

UM SANTO AINDA NÃO CANONIZADO



Dom Samuel Dantas, OSB

Dificilmente encontrar-se-à na vetusta história da Igreja uma personagem em torno de cuja vida e obra tenham se erguido as mais acesas polêmicas, as mais acaloradas discussões e debates, como a figura do celebérrimo padre Cícero Romão Batista.

Amado e venerado por uns, odiado e caluniado por outros, Padre Cícero impôs-se a ricos e pobres, a nobres e plebeus, a intelectuais e indoutos, tendo sido em vida o que se poderia  sem nenhuma hipérbole qualificar de um fenômeno religioso e miraculoso da mais alta envergadura.

Anualmente, acorrem a interiorana Juazeiro, no sul do Ceará, milhões de peregrinos, cuja devoção ao padre Cícero é deveras impressionante. Milagres sem conta continuam a ser atribuídos a seu poderoso valimento junto a Deus.

Como é possível que não seja santo um homem que costumava percorrer léguas unicamente para administrar os sacramentos a moribundos desolados? Como é possível que não seja santo um homem cuja palavra pacificadora foi capaz de por termo a sangrentas rixas familiares? Como é possível que não seja santo um homem que, tendo tido todo o Nordeste aos seus pés, jamais utilizou o seu prestígio para beneficiar-se? Como é possível que não seja santo aquele sacerdote que, tendo recebido polpudos donativos de seus devotos admiradores, viveu pobremente,  legando tudo que tinha a Igreja, a cujas ordens sempre se manteve obediente? Como é possível que não seja santo um homem que, a semelhança de Cristo, soube amar e perdoar os fariseus invejosos que converteram sua vida em um pungentíssimo calvário?

Os  inimigos do padre Cícero acusam-no de embuste e de ter se envolvido na política. Quanto a primeira acusação, nada há de mais pífio: somente um sacerdote néscio – e padre Cícero não o era – tentaria forjar um prodígio. Ademais, não podia ele ignorar a reservada circunspecção com a qual a Igreja costumava tratar alardeados portentos, tidos por sobrenaturais.

Quanto a seu envolvimento na política, deve-se observar que em virtude da complexa conjuntura de então, foi necessário que o padre Cícero nela tomasse parte. Era a única maneira de por termo a facções rivais que sanguinolentamente se digladiavam. Sabe Deus que a razão pela qual padre Cícero ingressou no âmbito da política foi totalmente diversa da razão pela qual o fazem muitos hodiernamente.

De minha parte, julgo que a prova inconteste da santidade de padre Cícero é o próprio Juazeiro. Ai, vê-se a piedade sincera, a oração constante, a procura de Deus, a humildade posta em prática, o amor a Deus e ao próximo traduzido em obras, a expansão de uma devoção que não cessa de crescer. Juazeiro é como um vasto santuário ao qual se dirigem os que tem fome e sede de Deus.

Diziam os antigos que não existe juiz mais justo e reto do que o tempo. Este, sepulta as mediocridades invejosas, e enaltece os que em vida se distinguiram.

Não tenho a menor dúvida de que este justíssimo juiz, mais cedo ou mais tarde, justiçara aquele que, quanto mais o tempo passa, tanto mais se agiganta aos olhos da posteridade, enquanto que, todos os que intentaram debalde prejudicá-lo, jazem sepultos para sempre no olvido – termo natural para o qual sempre se dirige a maioria dos homens.

Aliás, como prova da implacável justiça do tempo, tenha-se em vista que os caluniadores e hostilizadores acérrimos do nosso padim são recordados tão somente pelo lamentável fato de o terem sido!

colaborador : Dom Samuel Dantas, OSB

Dom Samuel(Émerson Dantas de Araújo), é natural de Mauriti- Ce. Monge professo solene de votos perpétuos do Mosteiro de São Bento da Bahia, Salvador. É licenciado em Filosofia e Bacharelado em Teologia pela antiga faculdade de São Bento da Bahia e mestre em Filosofia pela UFBA(universidade Federal da Bahia)




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