segunda-feira, 26 de março de 2018

Professor José Nery Rocha homenageado com a comenda Memórias de Juazeiro

Em solenidade realizada em Fortaleza, no dia 24 de março passado, a AFAJ-Associação dos Filhos e Afilhados de Juazeiro do Norte homenageou o professor José Nery Rocha coma a outorga im memoriam da comenda Memórias de Juazeiro, a qual foi outorgada também à professora Maria Zuíla e Silva Morais e o empresário José Matias Junior. Abaixo transcrevemos o discurso de saudação proferido no evento pelo presidente da AFAJ, Dr. Francisco Neri Filho
Discurso de saudação 
José Nery Rocha nasceu em Joaseiro, então distrito de Crato (CE), no dia 21 de março de 1903. Era filho de Francisco Nery da Costa Morato e de Júlia Rocha Nery. Foi alfabetizado no próprio torrão natal e terminou o curso primário no Colégio Diocesano de Crato. Em 1919, veio continuar os estudos em Fortaleza, no Colégio Cearense. Daí transferiu-se para o Colégio Castelo, onde se preparou para ingressar no Liceu do Ceará, tendo sido aprovado num exame rigoroso para lograr admissão ao mais renomado estabelecimento de ensino da capital cearense. Após três anos como aluno do Liceu, concluiu o curso equivalente ao antigo científico, saindo apto a submeter-se a novo exame para curso de nível superior. Foi a Salvador (BA), fazer o vestibular de medicina. Esperava passar no exame, em virtude de haver sido bom aluno no Liceu Cearense, um colégio de escol cujos ex-alunos costumavam ser bem sucedidos nos certames da espécie. Aconteceu, porém, que, ao tomar lugar na carteira em que deveria fazer uma das provas, encontrou uma cola, deixada ali por pessoa desconhecida. Um fiscal da faculdade o flagrou olhando com estranheza o papel e duvidou de sua palavra, de que nada tinha a ver com aquilo. Revoltado, levantou-se e se retirou da sala. Desistiu, então, do vestibular e resolveu regressar a Juazeiro do Norte – como sabemos, já emancipada político-administrativamente – e aí permaneceu por toda a vida. Sua principal atividade profissional foi a de produtor rural (agropecuarista), dado que a família possuía largas extensões de terras agricultáveis e adequadas ao plantio de algodão (ouro branco), cana-de-açúcar, arroz, milho, feijão, bem como à criação de gado vacum, equino e de outras raças, o que lhe permitiu auferir rendas suficientes para manter-se razoavelmente bem.
Em 1933, desposou a jovem Doralice Sobreira de Figueiredo, filha do Cel. Dirceu Inácio de Figueiredo e da Senhora Adelina Sobreira de Figueiredo, a qual passou a chamar-se Doralice Sobreira Rocha. Do casal nasceram cinco filhos: Júlia, José Carlos (falecido), Célia Maria, Frederico Carlos e Adelina Maria. Hoje a descendência de José Nery e Doralice foi acrescida de 13 netos e netas, 22 bisnetos e 02 tataranetos.
A par das atividades rurais, nosso homenageado ingressou no quadro social do Instituto Educacional de Juazeiro do Norte e passou a exercer o magistério na Escola Normal Rural, como titular da cadeira de Agricultura e Indústrias Rurais, habilitado em curso promovido pelo Governo Estadual e ministrado nesta capital. É escusado dizer que Zé Nery orgulhava-se muito de pertencer ao quadro docente daquela que foi a primeira escola normal rural do Brasil, destinada a formar professoras ruralistas – e logo da cadeira que considerava mais importante, haja vista que, imbuído dos ideais ruralistas, os quais incluem a extensão rural, teve a preciosa oportunidade de repassar às alunas os conhecimentos técnicos e práticos da referida matéria. 
Embora parecesse autoritário – pelo porte acima de mediano e a voz bastante grave, visto costumeiramente pilotando sua motocicleta Harley Davidson de 750 cilindradas, em cujo para-lama dianteiro estampava a inscrição: Blue bird (pássaro azul) – era dócil e dispensava às alunas um tratamento amável, até admitindo brincadeiras por parte daquelas menos inibidas, como uma chamada Teresinha Coelho, concludente de 1956. Essa jovem, ao saber que o Prof. José Nery se aproximava da sala-de-aula (identificava-o de longe, pelo chapéu), fechava a porta para que ele não pudesse entrar. Ele simplesmente dizia: Teresa, abra esta porta! Ela logo a abria e ele entrava sorridente.  Ela então perguntava: Zé, Zé, de onde tu vem?... Isso se repetia vezes sem conta, mas ele nunca levou o caso a sério nem ao conhecimento da austera diretora, Profa. Amália Xavier de Oliveira, que certamente aplicaria uma forte reprimenda à aluna brincalhona. (Testemunho de Ivone Feitosa Teles, colega de turma de Teresinha Coelho). 
Outra característica importante do conhecido Professor Zé Nery era o acendrado amor à terra natal, conforme afirma sua filha caçula Adelina.  Eleito vereador à Câmara Municipal para a legislatura de 1963/1966, exerceu o mandato com muita dignidade, impedido de praticar o famigerado jogo-de-cintura da maioria dos políticos brasileiros, por ser de uma honestidade a toda prova. Assim é que teve o desprazer (ou mesmo o prazer) de ouvir de um dos mais destacados nomes da política local: Zé Nery, nós gostamos muito de você e reconhecemos o seu valor intelectual, mas o amigo não serve para a política, por ser honesto demais. (Se não exatamente nessas palavras, na essência lhe foi dito isso mesmo)...
Dario Maia Coimbra (Darim), em seu livro “Os Construtores de Juazeiro”, lançado em 1.999, conta interessantes passagens referentes à pessoa de José Nery, como a que se segue: “Não era professor apenas rural. Era dotado de conhecimento em qualquer assunto. Um madrugador contumaz. Muitas noites, ao lado de Dr. Edvard Teixeira Férrer, Dr. Perboyre  Sampaio e às vezes Dr. Francisco Augusto Tavares (Dr. Ney), postava-se no antigo coreto da Praça Padre Cícero falando sobre os mais variados assuntos, todos de grande alcance técnico, geográfico, de história geral, hecatombes com destaque para as guerras de Napoleão e a 1ª Mundial. A conversa de tão seleto número de entendidos, poderia servir de aulas para estudantes de qualquer nível.” E, em outra passagem, Darim afirma: “Nas horas noturnas gostava do joguinho de baralho.............. ao ponto de amanhecer o dia em roda de amigos....... Predominava o pife-pafe. Dizem que chegava até a emprestar dinheiro aos parceiros, contanto que o jogo não terminasse. “ Além do mais, Zé Nery prestou serviços inestimáveis à comunidade, como um dos mais conhecido e dedicado comissário de menores.  
Há muitos fatos, até com ares folclóricos, registrados em “Juazeiro Anedótico”, de Raimundo Araújo, lançado em 1984 (1ª edição) e relançado em 2002, pelas oficinas gráficas da ABC Editora, envolvendo a figura do juazeirense autêntico que foi o Prof. José Nery Rocha. Um dos quais, considerando que Zé Nery era um tanto versado em física e matemática, conta do dia em que por pouco não atropelou um garoto na Av. Dr. Floro. Ele vinha das Malvas, em sua potente motocicleta, onde tinha um engenho de rapadura puxado a motor e uma cerâmica, quando precisou fazer uma manobra brusca para não consumar o atropelamento – já que até a pé costumava andar muito ligeiro. Ato contínuo, desceu da moto irritado com o vexame que passara e reclamou do menino em voz alta, para que todo mundo ouvisse, afirmando peremptório,  que, se não houvesse feito um ângulo de 90º, poderia tê-lo matado...  Há outro caso, no livro, de um encontro de Zé Nery com Dr. Perboyre Sampaio alta madrugada. O doutor apontou para o céu, chamando a atenção do interlocutor para o surgimento do Sol. Mas Zé Nery passou a discutir que ainda não era o Sol, era a Lua. Desculpando-se reverencialmente, bem ao seu estilo, Dr. Perboyre se despediu, mas Zé Nery, inconformado, protestou: “Tá cedo, Perboyre, ou homem pressuroso!”...
Ao final dos anos cinquenta ou sessenta do século passado, Zé Nery adquiriu, em S. Paulo, máquinas para montar a sua cerâmica, acima referida. Os engenheiros da empresa revendedora demoraram mais do que o esperado para virem a Juazeiro montar a engrenagem. Zé Nery se impacientou e elaborou, ele próprio, o plano de montagem. Quando os dois técnicos chegaram e ele se adiantou em lhes apresentar, com gráficos, como havia concebido a tarefa em perspectiva, os homens lhe perguntaram em que faculdade Zé Nery havia feito engenharia. Ao saberem que o proprietário da cerâmica não era engenheiro, ficaram por demais admirados... E o que fizeram? Anotaram de imediato a forma ou a fórmula projetada por Zé Nery, para exame futuro.
Pouca coisa que se diz a respeito de Zé Nery, porém, comprova a autenticidade de sua personalidade ímpar como o fato que passamos a narrar. Em 1.900 uma menina de 11 anos, filha de romeiro pernambucano, foi abandonada na rua principal de Juazeiro, na calçada da residência do Sr. José Xavier de Oliveira, pai da educadora emérita Amália Xavier de Oliveira. O romeiro deixou-a esperando-o ali, adentrou na Igreja pela Rua Grande, saiu pela, hoje, Izabel da Luz e sumiu para só reaparecer anos depois. Em vista da grande demora do pai, a pequena começou a chorar convulsivamente. Avisaram então ao Sr. José Xavier que havia uma garota desolada, chorando em frente à sua casa. Ao inteirar-se do fato, por ela mesma contado, seu Zé Xavier mandou um emissário leva-la à presença do Padre Cícero, para que o Patriarca resolvesse que providência dever-se-ia adotar. Este, aproveitando o mesmo emissário, mandou que ele fosse entregar a menina a Júlia Rocha, nas Malvas, e que Júlia ficasse com ela até que decidisse o destino que lhe seria dado. Mas a pequena foi ficando na casa de Nery e Júlia, até que, quando já contava 14 anos, em 1.903, nasceu José Nery. A romeirinha pernambucana logo assumiu a condição de babá de nosso homenageado, que passou a chamá-la também de mãe. Maria do Carmo – nome batismal da jovenzinha –   continuou a morar com os pais de Zé Nery, mesmo após ele haver-se casado. Mas ela tinha um problema mental que aos poucos foi se agravando. Seu apelido era Bai. Bai sofria de sucessivas crises de loucura e, quando atacada, incomodava a muita gente com quem cruzava na rua, descompondo pessoas de qualquer classe social. Ao tomar conhecimento dessas ocorrências, Zé Nery ia até onde a pobre mulher se encontrasse e simplesmente dizia: mãe, vá para casa! Ela normalmente obedecia... Assim é que Zé Nery, já órfão de mãe, nem um pouco se incomodava que o povo, ao vê-la desvairada, rua acima, rua abaixo, expressando sua loucura, dissesse que aquela era a mãe do Prof. José Nery. Essa é a prova maior do caráter de um cidadão senhor de si, consciente da própria hombridade, lhaneza de caráter e do valor intrínseco de sua sensibilidade  moral.
 Com essas palavras, a AFAJ se diz orgulhosa e contente ao outorgar a comenda Memórias de Juazeiro a mais um cidadão de bem da terra de Padre Cícero, nosso Patrono, exatamente no dia de seu aniversário natalício.
Fortaleza (CE), 24 de maço de 2018.
Francisco Neri Filho
      Presidente

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