sábado, 18 de setembro de 2010

ESTÓRIAS DO MURILO

- Pe. Murilo sempre atendeu a muitos chamados para celebrar a festa anual da renovação do santo, da consagração de residências de tantas famílias ao Sagrado Coração de Jesus e ao Sagrado Coração de Maria. Ia, divertia-se muito com os encontros e as conversas, principalmente porque, às vezes, as filhas e até mesmo a dona da casa tinham sido suas alunas na Escola Normal. Muito comedido com o que lhe era servido, sempre preferia uns biscoitos. Numa destas ocasiões a filha de uma paroquiana foi até à sua casa e o convidou para presidir a renovação. Ele aceitou e fez a seguinte recomendação: - Não façam muita coisa para o lanche, não. Bastam uns salgadinhos, cajuína, biscoitos, o café do santo, e tá bom. - Também umas bolachinhas sete capas, não é, padre ? Não, minha filha, compre não. Bolacha sete capa “bréa” tudo.

- Era a tardinha de sábado, a hora combinada para nos encontrarmos na casa paroquial. Quantas vezes nesta nossa reunião habitual com Murilo ele nos levava, Daniel, Zé Carlos Pimentel e eu, ao convívio de suas irmãs no casarão da família em Barbalha. Era uma animação, como nos recebiam. Ele aproveitava para se estirar numa ótima rede que já estava armada mais para o fundo da casa, como se esperasse o bom filho que à casa paterna voltava. De lá, ficava nos observando, nossas conversas com as suas irmãs. Naquele dia, Libânia procurava me envolver com alguma coisa que poderíamos fazer juntos, no aniversário dele que se aproximava. Ele captou a coisa de longe. Quando percebi, já foi o grito vindo de lá: - Renato, não vá nessa conversa de Libânia, não. Se você cair na dela, nunca mais você vai ter sossego na sua vida.

- Em muitos anos o Pe. Murilo cuidou de realizar na Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores, ao meio dia do 15 de setembro de cada ano, uma cerimônia muito tocante com a qual ele dava uma bênção especial na despedida dos romeiros. À medida que isto foi ganhando força, participação, maior era a sua satisfação em realizá-la. E com isto, trazia a imprensa, especialmente a televisiva, para um novo enfoque de toda a ambiência do romeiro na terra do Pe. Cícero. Algumas vezes nos dizia com mágoas que “a televisão vinha e fazia uma espécie de ridicularização da romaria, falando de aspectos da pobreza, da fome e da miséria, enfim, o exibicionismo de um discurso panfletário que colocava muito mais em evidência os pontos negativos do Juazeiro. Pastoralmente, nós fomos fazendo frente a esse tipo de agressão e colocando a realidade que Juazeiro congrega em si.”

- Sua vida missionária e a dedicação ao povo romeiro foi tomando conta de sua existência a ponto de transmitir a nós um grande sentimento de realização pessoal. Assim, quando alguém indagava se de fato ele era feliz, se estava contente com os resultados que a paróquia alcançara por aqueles dias, se podia ouvir as seguintes revelações que colho em entrevista, num fim de romaria: “Eu acho bom, eu me canso, me mato, sei que a minha vida vai ser mais breve por causa do cansaço. Não tem quem agüente. Todo mundo ficou dormindo. No outro dia, eu me levantei as quatro e meia. É que o romeiro pra mim, eu sou sincero, é uma pessoa de Deus.”(...)“Antes de mais nada, eu vejo no romeiro aquilo que eu prego. Pra mim eles são os bem aventurados.”(...) “...me desgasto, pego briga aqui quando um cabra bole com um romeiro.”

- De Pe. Murilo sobre o Padre Cícero: “Eu o tenho como a figura de um padre vinculado historicamente à igreja do final do século passado e altamente comprometido em defender essa igreja de seus inimigos. Esse comportamento, eu chamo de apologético. Padre Cícero, na realidade, foi um padre encravado no contexto histórico, de grande zelo pela igreja e a fidelidade em zelar pelos sacramentos, pelo Conselho, pelas devoções do Coração de Jesus, de Nossa Senhora das Dores e do Santíssimo Sacramento. Eu o coloco dentro desse contexto de povo, numa realidade em que o padre se tornou verticalmente, um homem que quis levantar o seu povo. Parece-me que eu o vejo cada vez mais com o objetivo de criar uma comunidade que soubesse rezar e trabalhar. Este é o retrato fiel de um padre que batalhou sobretudo com honestidade, dentro do quadro cultural da época em que viveu.”

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