domingo, 14 de maio de 2023

APRENDENDO COM A VIDA texto de Dom Samuel

 

APRENDENDO COM A VIDA!

 

Carlos tinha acordado indisposto por causa de uma noite mal dormida. Abatido e irritado, a primeira coisa que fez ao acordar foi praguejar, amaldiçoando o mundo e a vida. Sentiu porém uma voz que lhe dizia: “É verdade que tu não dormiste e tens toda razão de estares aborrecido, mas pensa nos que – e por aí há muitos – que além de não terem conseguido dormir, não tinham um teto onde pudessem adormecer em segurança e protegidos.”

Carlos então dirigiu-se ao banheiro para a primeira higiene matinal. Acostumado a tomar banho morto, viu que a resistência do chuveiro tinha queimado. Louco de raiva, soltou palavrões para todos os lados e direções – inclusive na do céu – e só não arrebentou o pobre chuveiro, bem, sabe-se lá por que.

Uma vem mais, sentiu ressoar aos seus ouvidos a misteriosa voz que lhe disse: “Carlos, há gente por aí que nem banho pode tomar, porque lá onde moram não existe água encanada nem potável, nem também tambores onde possam juntar água. Carlos disse de si para si: Tens razão...e encarou o banho frio, do qual até que gostou.

Aguardava-o, porém, uma nova irritação. Na mesa não encontrou o pão de que tantíssimo gostava. Por causa de um problema técnico no aparelho da padaria sucedido durante a madrugada, o precioso pão não fora feito. De novo a voz se fez ouvir: “Carlos, não há pão, mas há outras coisas...já paraste para pensar um pouco em quem não encontra nada, absolutamente nada para comer quando acorda?”

Aquela raiva que dele se apossara, foi aos poucos passando, até que cessou por completo, quando ponderou que de fato não eram poucos os que ao despertar não encontravam uma única migalha de pão na mesa. E como poderiam se nem mesmo mesa havia?

Totalmente avesso a barulho, Carlos o odiava com todas as forças da sua alma. Como nesse dia, porém, teria de pegar o ônibus para ir ao trabalho – o carro estava no conserto – precisou dirigir-se ao ponto. Aí chegando, encontrou o falatório ensurdecedor que é próprio desses espaços urbanos, onde raramente se acha uma gotícula de silêncio. Já impaciente e prestes a desistir, de novo ressoou pela quarta vez a misteriosa voz: “Calma, Carlos! Pense um pouco que seja naquelas pessoas que vivem em lugares onde o barulho quase nunca para e nas que tem de escutar cinco dias da semana(quando não trabalham no sábado!) barulho na ida para o trabalho e na volta para casa!

Carlos viu-se de novo forçado a concordar com a voz, dando-lhe razão e dali a poucos instantes seguiu de ônibus para o trabalho.

Exausto depois de um dia cheio, Carlos descobriu – chegou a pensar que aquilo só podia ser algum tipo de perseguição movida pelo inferno – que um dos pés da cama em que dormia tinha arriado, o que significava que nela não poderia dormir.

Desta vez, antes que a misteriosa voz ressoasse, ele, que nem se irritou nem praguejou, dirigiu-se ao seu guarda-roupa, tirou dali uma velha rede e prendendo os seus punhos em dois armadores, adormeceu depressa  pensando nos sem cama, nos sem rede, nos sem casa, nos sem chão...

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