sábado, 21 de agosto de 2010



ESTÓRIAS DO MURILO

Tantos anos indo ao seu gabinete, eu via aquela imagem bonita na fotografia de dona Laudelina. Nunca falamos disso, de saudade, como tinha sido... Era reservadíssimo, silencioso. Recentemente, eu li um soneto que ele escreveu no início dos anos 50 e isto me disse tudo o que queria saber: Minha Mãe. Morta sublime! Oh! Minha santa morta.../ Há quanto tempo já que te pranteio / Que o teu carinho me não mais conforta / Nem mais me abrigas no teu casto seio! // Ah! Lembro-me ainda bem, segundo creio, / Pequenino, eu brincava ao pé da porta. / E, ao ver-te no caixão de flores cheio, / Mãe, nem sonhava que estivesses morta!...// Mas um dia passou, um mês, um ano, / E dois e três e mais e oh! desengano, / Nunca mais me beijou teu lábio amigo. // Não te vi nunca mais; e, na orfandade, / Clamo agora nas trevas com saudade / Mãe, por que foi que não morri contigo?

*** Quando estudava no Seminário do Crato, ainda em 1950, próximo da sua ida para o Seminário da Prainha em Fortaleza, num pequeno caderno de anotações, encontrei a sua inquietação com a vocação sacerdotal que decidira abraçar. Para ele, os sinais evidentes da vocação sacerdotal estavam pautados por: 1). Pura intenção. No santuário só pela porta se entra e esta é Cristo. Ele mesmo nos disse: Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; 2).Ciência requerida e dotes necessários para exercer funções sacerdotais; 3).Conduta irrepreensível de vida, piedade, exercício de virtudes e santidade. Francisco Murilo de Sá Barreto foi ordenado por D. Francisco de Assis Pires, em 15.12.1957. Muitos anos depois, confirmando o passo acertado que dera, ele escreveria: “Para mim, ser padre não significa ser um desencantado. Tenho alegria de minha vocação.”

*** Pe. Murilo costumava lembrar que a sua formação sacerdotal incluiu uma prevenção contra Juazeiro, fruto do posicionamento dos Seminários em que estudara (Prainha e Crato). As romarias de Juazeiro, a este época, eram o motivo fundamental para este pé atrás e nelas só se via o fomento ao fanatismo religioso. O seu lento e gradual esclarecimento, mais que isto, o seu entendimento sobre o fenômeno religioso do Juazeiro foi uma batalha que se travou por muitos anos, até à sua completa convicção e defesa. Quando os romeiros perceberam que a causa lhe conquistara, passaram a tratá-lo de o “vigário do Nordeste”. No livro de tombo da paróquia-matriz, somente lá pela página 100, em 15.09.1968, portanto, só depois de 10 anos entre nós, Pe. Murilo escreveu alguma coisa sobre aquela romaria durante a festa da padroeira.

***Havia em Juazeiro do Norte uma figura popular, Miguel rezador. Nós o conhecíamos bem porque ele trabalhou no escritório local de uma distribuidora de gás de cozinha. Depois foi acometido de distúrbios mentais e tornou-se um místico que perambulava pelas ruas e igreja. Era casado, tinha muitos filhos. Brincando, Murilo dizia: “Esse Miguel é perigoso, todo ano é um filho.” Dos seus filhos, uma era deficiente motora. Para ajudar a família, Pe. Murilo comprou uma casa, lá para os lados do Aeroporto, com algum dinheiro que retirou de sua poupança e aplicou generosamente no bem estar da família, fazendo a doação. Miguel morreu algum tempo depois do vigário. Antes disto Murilo amargou a notícia da violência que fizeram a Miguel, aplicando-lhe uma surra dentro da própria casa paroquial, enquanto o padre estava ausente, de viagem a Alagoas. Como ele sofreu com isto!

***Conselheiro sentimental. Não esqueço que por tantos anos seu gabinete tenha sido o local de portas abertas para receber paroquianos que levavam ao seu conhecimento as mais distintas questões sobre o relacionamento pessoal de namorados, noivos e casais em desajustes, em busca de aconselhamento. Por vezes vinham os pais em busca do esclarecimento e socorro para situações até muito embaraçosas. O clima era tenso, as pessoas chegavam sem aviso e havia choro. No mínimo, se tratava de já realizar um casamento. Não era o que ele aceitava e propunha como medida saneadora. Um dia, eu ia passando de um a outro compartimento da casa e ouvi a sua indagação que fazia à mãe aflita: - Quem é a maluca que vai se agarrar com esse maluco? Quanta gente ele harmonizou, em Cristo. Nada estranho para um missionário, professor de psicologia na velha Escola Normal.


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