quarta-feira, 13 de julho de 2022

Festa de Nossa Senhora das Dores 1989 - Entrevista com Padre Murilo

 Festa de Nossa Senhora das Dores 1989 - Entrevista com Padre Murilo

Entrevistado: Padre Francisco Murilo de Sá Barreto
Data: 18 de setembro de 1989
Local: Igreja Nossa Senhora das Dores – Juazeiro - Ce
Entrevistadora: Cica de Castro e Edvar COSTA.
Cica- Entrevista com padre Murilo, igreja de Nossa Senhora das Dores, 18 de setembro de 1989, em Juazeiro, Ceará.
Pe. Murilo- Essa noite dos violeiros ela constitui na realidade, uma festa já nas tradições do Juazeiro. As duplas vem juntas violando, da saída da imagem na casa do (?) até a matriz de Nossa Senhora. Quando chega aí os repentistas improvisam louvores, e os louvores são em torno de padre Cícero, de Nossa Senhora das Dores, do Rosário, em torno da devoção, das promessas dos romeiros; os romeiros gostam muito desse momentos, e mais do que os romeiros, os violeiros que todos têm muita devoção a Nossa Senhora.
Agora, aproveitando a oportunidade, há duas espécies de violeiros, há um violeiro que é um versejador popular mas que é advogado, que é de Lions, que é de Rotary, de entidade, e que vieram do povo mas que na realidade não estão mais dentro do povo, então esse violeiro é um violeiro que canta pra se mostrar, inegavelmente ele tem dotes, inegavelmente ele representa o povo, mas ele traduz os sentimentos do povo sem um testemunho; e há o violeiro simples, versejador em rima, cantador afinado, que não tem vez nos programas de rádio em Juazeiro, no Cariri, e que são muito mais contratados para as renovações do Coração de Jesus, durante o ano, para as cantorias de pessoas mais modestas, que não podem pagar mil, cinco mil etc., mas dá duzentos cruzados a ele.
Nós, cada ano damos essa oportunidade a esses que são devotos mesmos, a esticarem um pouco mais sua homenagem a Nossa Senhora. A gente sente que o povo aplaude mais esse porque o verso é mais natural, a cultura dele é rente com os anseios do povo, e há uma contestação social na apresentação, há uma sublimação da dor, do sofrimento. São os violeiros que interpretam a sua vida no espelho do contato com o outro, sem nunca ter estudado, (?) sobre isso. É muito rica. Este ano nós tivemos presença de umas pessoas do Rio, São Paulo, e ficaram estudando depois, gravaram e ficaram estudando o som da mensagem que corre por entre os dedos do violeiros de suas violas. Para terminar, nós temos a noite do romeiro, porque nós temos um dia na festa, o último dia que é dedicado aos romeiros. Então vai duma missa as noves horas com expressões, todas de cantos e melodias dos romeiros. A festa de Nossa Senhora das Dores, na linha da evangelização, ela colhe, grava a melodia que o romeiro canta, e empurra a letra de catequese, de evangelização na festa. Então facilmente se casa na noite do romeiro, a melodia que ele já sabe, com a letra que ele aprende. É uma das formas muito fortes de evangelização. Logo em seguida...

CICA- Essas letras são feitas pelo senhor?
PADRE MURILO- Pela equipe.
CICA- Quem compõe a equipe?
PADRE MURILO- A equipe de pastoral é composta aqui hoje, neste instante, por duas irmãs que trabalham conosco, a irmã Anete, a irmã Ana Teresa, pelo irmão Bernardo, que foi quem fez o canto da romaria esse ano, ele tem muita facilidade de composição, e muita sensibilidade para gravar, por mim e por uma equipe do coral da paróquia.
CICA- A paróquia mantém um coral. Formado por pessoas leigas.
PADRE MURILO- Formado por pessoas da comunidade, leigas que conhecem a tradição do canto através do tempo, isso é que a gente guarda, por exemplo os benditos do padre Cícero, depois que o padre Cícero chegou até nós através dessa forma de conservação, como o coral, o coral aqui num é pra exibir, nem gritar, nem nada, é um grupo de pessoas que sustenta e puxa o canto, para que a multidão possa continuar cantando. Bom, aí nesse dia há procissão dos carros.

CICA- Nós tivemos oportunidade de acompanhar a profissão.
PADRE MURILO- É as quinze horas, com os carros na maioria são caminhões, então a procissão fica (?) dos caminhões, mas desfilam nesse dia ciclistas que vem de Alagoas, motoqueiros que vem de Alagoas, carros pequenos, ônibus e caminhões. Os veículos que conduzem gente a (?). O prefeito recebe, numa manifestação simbólica ele entrega a cidade a eles, grava-se e a gente vem repetindo no carro de som, por um percurso longo de três horas da tarde á sete e meia, até na matriz, mais longo.

CICA- Vem repetindo o que?
PADRE MURILO- A mensagem de acolhimento do prefeito.
CICA- Essa procissão nasce aonde?
PADRE MURILO- Nasce na avenida Leão Sampaio, entre Barbalha e Juazeiro.
CICA- Porque a gente perguntou e algumas pessoas diziam que começava na rodoviária, outros que começava em Barbalha. É nessa avenida?
PADRE MURILO- Ela começa em Barbalha, não no começo, mas os carros vão se juntando lá no hospital e o último carro já é tocando em Barbalha, são doze quilômetros de carro.
CICA- E a procissão dos caminhões, ela também foi criada pelo senhor?
PADRE MURILO- Foi.
CICA- O senhor lembra o ano?
PADRE MURILO- Me lembro, foi em setenta e quatro.

CICA- Como foi que o senhor teve essa idéia?
PADRE MURILO- Porque as coisas aqui vão nascendo conforme os romeiros descobrem, eles têm uma mania de pedir para benzer os caminhões, e então para eu num tá benzendo todo dia um, eu preferi juntar todos e dar uma recepção a eles, e fui me lembrando que talvez isso significasse muito pra eles. Realmente, o caminho de romeiro e o ônibus que não vai pra essa procissão é como se fosse uma dor na alma do romeiro. Quando ele faz a promessa de vir, ele já se inclui como participante dessa noite festiva, dessa tarde festiva, tarde que Juazeiro atende ao chamado, por exemplo a rua São Benedito, nós pedimos a rua São Benedito, que é uma rua que corta longitudinalmente a cidade do Juazeiro, e é uma da maiores, que as pessoas fossem para os becos, par as esquinas, levando um pouquinho d’água, para o romeiro menor, para a criancinha que vem em cima do caminhão e que desde um hora da tarde esta agüentando o sol de setembro. Quando nós passávamos na rua São...

CICA- O senhor pediu aqui na missa do dia anterior?
PADRE MURILO- Pedi, com quinze dias antes, que o serviço de rádio, de transmitir aos familiares, porque a festa é preparada muito tempo antes, um mês antes a festa começa a ser preparada, o grande convite é pra gente receber bem o romeiro, e realmente funcionou. Aí quando eu passei eu vi todas as crianças da rua São Benedito distribuindo água aos ciclistas, as pessoas, aos romeiros.
CICA- Nós vimos várias e várias pessoas fazendo isso.
PADRE MURILO- Quando vocês passaram, aquilo vai se intensificando, a gente já colocou pessoas pra olharem, justamente pra medir até quando nós somos escutados ou não somos, da forma que quando passou o último caminhão de romeiros, a gente vê: folhas, pétalas, rosas, na rua São Benedito, escritos de giz no chão acolhendo, e sobretudo muito molhado as esquinas de pingos d’água que eles deixaram escapar quando bebem. Eu vi, por exemplo, na Rua Castelo Branco, em todos os canteiros da Castelo Branco eu vi um pote d’água e lá foi justamente onde muita gente bebeu, porque os cinegrafistas pediram pra tomar um lugarzinho lá na caminhonete do som, e tivemos que parar um pouco e lá correram a beber água. Todas as pessoas faziam isso com alegria.
Edvar- A solenidade que o prefeito faz fica no início?
Padre Murilo- No início da procissão, na avenida Leão Sampaio.
CICA- Mas é feito perto da rodoviária?
PADRE MURILO- Muito depois da rodoviária, de frente do SENAI. Foi feito hoje lá em frente...

CICA- Mas existe uma solenidade?
PADRE MURILO- Não, simplesmente ele fala no serviço de som, e eu vou em seguida e abro a caminhada.
CICA- Que horas o senhor dá a benção aos caminhões?
PADRE MURILO- A benção dos caminhões é no dia quinze às doze horas.
CICA- Eu ia exatamente perguntar se o senhor dava duas bênçãos?
PADRE MURILO- É não. O dia quinze é o dia do grande louvor, começa com a bateria de 21 tiros as cinco horas da manhã, canto do ofício de Nossa Senhora e de Maria Valei-me, que são beneditos muito fortes da religiosidade popular.
CICA- São dentro da igreja?
PADRE MURILO- São dentro da igreja, numa hora de silêncio, quatro e meia da madrugada, cinco horas.
CICA- Tem sempre muito romeiro?
PADRE MURILO- Totalmente lotada, patamar, igreja, tudo.
CICA- É o ofício de Nossa Senhora.
PADRE MURILO- É, que se reza todos os dias durante a festa, se canta todos os dias de madrugada, cinco horas. As nove horas nós temos a concelebração solene...
CICA- Quer dizer que todos os dias durante a festa, as cinco horas tem o ofício?
PADRE MURILO- Todos os dias às cinco horas durante a festa.
CICA- Mas o único dia que é lotado é o dia 15?
PADRE MURILO- Todos os dias é lotado, patamar e igreja. Todos os dias eu me levanto as quatro e meia.
CICA- E tem muita gente que sai do ofício pra ira pro Horto? Existe alguma coisa desse tipo?
PADRE MURILO- Tem muita gente que vai para o Horto antes do ofício, duas da madrugada, três.
CICA- A gente viu muita gente andando na madrugada.

PADRE MURILO- Ir ao Horto é sagrado, nenhum romeiro vem que não vá até lá.
CICA- Que dizer que ele saem às duas, três horas da manhã pra tá aqui as cinco horas?
PADRE MURILO- Pra está aqui ou então ficam alguns que nem todos vão as missas, porque nós não podemos controlar todos os romeiros, são trezentos e cinqüenta mil pessoas.
CICA- 350.000 pessoas que vêm de fora?
PADRE MURILO- A perspectiva esse ano foi essa. Você diz: “como é que você sabe disso?” a gente sabe disso através dos fretantes que se inscrevem na sala Informação romeiros, que a gente sabe que aquele é um índice percentual, mas aí a gente sabe quantos romeiros vieram, de onde vieram, onde estão arranchados, e por último, a gente sabe tirar um percentual, olha o do ano passado e vê. Depois a gente já tem a essa altura um controle de ranchos. A gente faz umas ligações telefônicas perguntando as pessoas dos ranchos onde se abrigam mil pessoas, ou duzentas, ou trezentas pessoas.
CICA- Num rancho, mil pessoas?
PADRE MURILO- Mas de mil. Tem ranchos aqui que comportam mais de 2.000. Aí eles dizem quantos têm e a gente vai somando, juntando. Depois da missa solene, que conta com a igreja oficial, geralmente um bispo da diocese, os padres da cidade.
CICA- Isso é no último dia que tem as cinco horas da manhã o ofício. Depois que horas é a missa?
PADRE MURILO- As seis horas eu celebro uma missa.
CICA- Todos dos dias também?
PADRE MURILO- Todos os dias e essa missa é irradiada todos os dias. Aí depois tem a missa solene concelebrada, o grande louvor da festa com a presença do senhor bispo.
CICA- Que horas?
PADRE MURILO- Nove horas.
CICA- Nove da manhã.
PADRE MURILO- Concelebração solene, e os romeiros com o livrinho da romaria cantam a missa nova, que já adquiriram, já aprenderam aqui em Juazeiro. E a cidade que veio durante o mês de agosto ensaiou a missa toda, canta festivamente, esse ano foi a missa das Dores de Nossa Senhora, uma missa só sobre as dores de Nossa Senhora.
CICA- Havendo mais de uma missa num dia, é freqüente o romeiro vir?
PADRE MURILO- Todas as vezes que subir um padre, sem nem avisar, lota patamar e igreja.
CICA- Mas nem sempre o romeiro só assiste uma missa por dia?
PADRE MURILO- Não, tem romeiro que assiste todas em todas as igrejas.
CICA- Quer dizer que tem romeiro que assiste até todas as missas durante o dia?
PADRE MURILO- É, a gente avisa o horário das missas no Socorro, na Matriz, e quando é no domingo a gente dá o horários das missas na cidade, há umas vinte missas na cidade de Juazeiro. Juazeiro é uma comunidade, por isso que eu sempre digo que o santuário é Juazeiro, porque os Franciscanos que a gente chama de capuchinhos são quatro, então cada um celebra duas missas, são oito missas diariamente lá, os Salesiano são cinco, cada um celebra duas missas, são dez, e depois tem a outra paróquia de padre Onofre, padre secular, que celebra três por dia, e depois tem três na Matriz e três no Socorro. Quer dizer que: 3 + 3 = 6 + 3 = 9 + 6 = 15 + 8 = 23, vinte e cinco missas por dia no Juazeiro.
CICA- O senhor celebra quantas?
PADRE MURILO- Eu celebro duas, seis da manhã e dezenove horas.
CICA- De quem é a missa das nove da manhã?
PADRE MURILO- A missa das nove da manhã no domingo?
Cica- Não, o senhor num disse que todo dia tem uma missa nove horas da manhã?
PADRE MURILO- Tem seis da manhã e dezenove horas. Nove horas só tem nos dia de domingo e na festa de Nossa Senhora, no dia 15. Concelebrada por quinze padres esse ano.
CICA- As de nove horas no dia 15?
PADRE MURILO- A de nove do dia 15. O bispo e quinze sacerdotes, Capuchinhos, Salesianos, padres seculares do Juazeiro, da diocese, e das dioceses vizinhas, e que vieram com os romeiros.
CICA- Depois das nove horas tem?
PADRE MURILO- Temos o adeus do romeiro, meio dia, que você assistiu, benção dos caminhões, das velas, das lembranças, e o símbolo da despedida do romeiro que é o chapeuzinho de palha.
CICA- Que é conhecida como a missa do chapéu?
PADRE MURILO- A missa do chapéu, que não é missa.
CICA- Não é missa?
PADRE MURILO- Não, não é missa.
CICA- É só uma bênção?
PADRE MURILO- Só uma bênção.
CICA- E quem instituiu?
PADRE MURILO- Fomos nós.
CICA- Em que ano?
PADRE MURILO- Isso aí eu não sei lhe dizer bem assim certo, porque eu já sei que foi dentro dessa linha de cada vez mais...
CICA- Se aproxima da realidade do romeiro.
PADRE MURILO- Do romeiro, enquanto televisão vinha e fazia assim uma espécie de ridicularização da romaria, colocando aspectos negativos, da pobreza, da fome, da miséria, enfim o exibicionismo na literatura panfletária colocou muito mais em evidência os pontos negativos do Juazeiro, aí nós fomos fazendo frente a esse tipo e colocando a realidade que Juazeiro congrega em si. Tem um tema de romaria.
CICA- Todo ano tem um bendito novo?
PADRE MURILO- Todo ano tem no mínimo um bendito novo, que é o bendito da festa.
CICA- Como, a romaria não é simplesmente em setembro...?
PADRE MURILO- É, a romaria não é, ela começa em setembro e vai a 2 de fevereiro.
CICA- Então é o que eles fazem que são seis meses, a gente perguntou o povo, o povo disse que são seis meses de romaria, que vai da festa das Dores à Festa das Candeias?
PADRE MURILO- Então a gente tem que colocar que cânticos e exortações e orientações que pegue o romeiros também que não é o que está aqui em setembro, daí porque o tema da romaria é “Comunicação da Boa Nova,” assim como o tema da festa “Maria nos Comunica o Cristo”, mas aqui é mais amplo, e como esse ano o tema do livrinho ele se assenta num fato, o romeiro é um comunicador, aí sempre tem uma historiazinha que é história que a gente escuta do romeiro, num tem nenhuma criada por nós, mas tem todas escutadas, porque a gente tá convencido de que o evangelizador é o romeiro, o padre ajuda mas o evangelizador é o romeiro.
CICA- Em qual sentido?
PADRE MURILO- No sentido de ele dizer pra você lá na sua terra o que viu aqui em Juazeiro e isso trazer o romeiro pra cá, é muito mais forte do que eu convidar.
EDVAR- No dia da benção do chapéu que o senhor pede para o pessoal quando chegar na paróquia procurar o vigário, e dizer… O senhor tem um certo controle, qual o efeito que isso tem?
PADRE MURILO- Os novos padres, todos os padres que querem ajudar a romaria, agora manda uma cartinha com os romeiros apresentando, que são zelosas pessoas da comunidade, que não saem de lá sem procurar dar o abraço que o padre Murilo mandou..., e antes nós fizemos uma carta para todos os bispos do Nordeste, todos os vigários, quer fosse a favor, quer não fosse, quer fosse amigo do padre Cícero, quer não fosse, dizendo que não queríamos nos meter na ação pastoral da paróquia deles, mas pedíamos permissão para evangelizar quem chegasse a nós. E como não queríamos fazer um indiserviço, aqui embalar uma coisa, etc. e chegar lá e num dá continuidade, estava mandando a cada um livrinho para que antes se preparassem. Hoje esse livrinho chega antes das romaria, os romeiros tem acesso as reunião e pré-romaria, e vem já pra Juazeiro orientados. Esse livrinho é um livrinho simples que está custando três cruzados, e que a gente pede para o romeiro comprar e levar como lembrança. Não tem fins lucrativos, são quarenta mil durante o ano. Todos os anos. Tiradas as despesas, nós devolvemos ao romeiro essa ajuda, fazendo coisas aqui no Juazeiro que melhorem a situação do romeiro. Como esse dinheiro do ano passado, nós fizemos um abrigo para romeiros velhos na estrada do Horto, se vocês subirem pela estrada verão lá dois ali e uma escolinha lá em baixo com alfabetização de adultos pra eles. Com esse dinheiro nós quando temos assim muito azar, morre um romeiro, manda deixar, quando não posso arranjar a caminhonete da Prefeitura eu freto um carro, seja onde for, e mando a esposa com o romeiro, onde eles querem que seja enterrado lá, na maioria eles querem aqui.
CICA- Quando morrem aqui na festa?
PADRE MURILO- Esse ano graças a Deus não houve.
CICA- Não houve nenhuma morte?
PADRE MURILO- Não, tudo pacífico, pacífico essa festa, graças a Deus. Então o livrinho é o instrumento de trabalho do romeiro, na mão do romeiro, e também uma devoção, por exemplo, esse bendito é novo ele é vazado no tema da festa:
Na minha terra eu vou contar
Da romaria grande lição
Padre- O romeiro repete:
Na minha terra eu vou contar
Da romaria grande lição
Boa notícia vou proclamar
Como Maria da visitação (bis)
Padre Murilo- Aí a gente pega e doutrina, por exemplo, Maria da Visitação, eu vou colocar Nossa Senhora fazendo a comunicação da verdade evangélica. “No Juazeiro alegre chora, vendo a beleza meu coração, que diz na reza que a Deus adora, reparte a vida com seu irmão.” São melodias que tão incentivando uma conversão do romeiro, há muitas lágrimas nessas horas, essa é uma hora importantíssima, porque todos os dias de onze a quatorze, três horas da tarde na sala das confissões há uma reunião com os fretantes de romaria com os romeiros, num sei se vocês já assistiram a alguma?
CICA- Não.
PADRE MURILO- Pois é feito pela irmã Anete com esse texto. Mas é bom na hora da reunião, porque ai é a hora da gente medir se o romeiro tá se engajando lá, que eles vão dar o testemunho, eles se levantam e diz: “fizemos isso, e isso. Quem é que tá aqui pra provar?” Ele se levanta e a gente tem que controlar por que se não vai pra seis horas, de três as seis, que só pode ser até as cinco, são duas horas de reunião, todos os dias.
CICA- Padre Murilo eu gostaria só de terminar a programação da festa. Pode ser?
PADRE MURILO- Terminou com a procissão, despedida do romeiro, aí tem a procissão.
CICA- É porque a gente tava falando da missa do chapéu, o senhor tava falando que não se lembra em que ano que foi instituído.
PADRE MURILO- Não lembro não, mas já tem vinte e tanto anos.
CICA- O senhor lembra qual foi o motivo que levou a criaram a missa do chapéu?
PADRE MURILO- O motivo foi o comodismo, porque a gente passava horas e horas benzendo na sacristia depois das missas, as lembranças que os romeiros traziam, os carros, os caminhões, isso ia tomando um tempo, e a gente ia cansado, ai eu resolvi centralizar, e motivado pela melodia, “adeus, adeus, Maria”, que é uma melodia que imita Fátima, que é “Ave Maria”, eu então fui dando oportunidade ao romeiro colocar dentro das suas categorias de peregrinos a visita oficial da despedida a Nossa Senhora, ocasião em que a gente benze tudo, e depois pastoralmente que nós sabemos que muitas pessoas aqui ao distribuir e ao vender a imagem do santo e do próprio padre Cícero, como a igreja não benze a estátua do padre Cícero, eles diziam: “não precisa benzer não, você leva lá para o Socorro, bota em cima do trono do meu padrinho e tá bento.” Como a nossa pastoral nunca é de confrontar o romeiro, mas canalizar, então eu institui um expediente de benzer, e acabei com a história de colocar santo no túmulo e pensar que tá bento.
CICA- Mas aí na missa pode se benzer a estátua de padre Cícero?
PADRE MURILO- Aí ninguém vai procurar saber se é a estátua de Padre Cícero ou se não é, porque a benção não é dada sobre o objeto, a benção é dada sobre as pessoas que usam o objeto, por isso que eu insisti em fazer aquela distinção, porque aquilo vai está sendo gravado pelo Crato, o Crato grava as coisas para depois discutir teologicamente e eu sou muito aberto, porque tudo que eu falo é irradiado.
CICA- É um jogo aberto?
PADRE MURILO- É um jogo aberto.
CICA- Eu queria saber também por que o chapéu?
PADRE MURILO- Porque o chapéu de palha é um companheiro de todas as horas do romeiro, e antigamente as coisas mudaram, antigamente era falta de respeito você entrar na igreja com chapéu, mas se for o chapéu de palha aí é um ornamento, faz parte da indumentária romeira, então, como a minha visão é popular, se hoje numa festa de casamento se colocar chapéu nas damas para ornamentação e elas entram, por que que o romeiro não pode entrar com o chapéu, e em segundo lugar porque é bonito, é um símbolo de nordestinidade e a nossa romaria minha filha, você é de onde?
CICA- Sou de Fortaleza.
PADRE MURILO- A nossa romaria ela é pura e é nordestina, você não vê isso, nem em Canindé, há uma diferença tão grande entra a romaria, a expressividade da romaria a Juazeiro, do perfil, da silhueta da romaria de Canindé.
CICA- Onde é que o senhor vê essa diferença?
PADRE MURILO- Há muita, primeiramente a romaria de Canindé ela não é nordestina, ela é cearense, riograndense do Norte, e piauiense, embora ela seja maior, a presença do Ceará em Canindé é 200 vezes maior do que a presença do Ceará em Juazeiro, e por quê? Porque aqui no Juazeiro houve as mãos da proibição da hierarquia. Enquanto lá em Canindé fazem é escangalhar. Pra você ver o que é peso de discurso, coisa que está mudando que todos os dias nós temos caminhões e ônibus da serra grande aqui, e nunca houve isso.
CICA- Nós tivemos oportunidade de encontrar gente de São Benedito, de Viçosa.
PADRE MURILO- De São Benedito não sei quantos. E todo os domingos vêm cinco ônibus de Fortaleza, isso não só significa que a romaria de Juazeiro tá puxando gente de Fortaleza, mas significa que muita gente do interior foi morar em Fortaleza e não perdeu a devoção, quer dizer Fortaleza não...
PADRE MURILO- ... depois há uma diferença também aí entre o comportamento do romeiro daqui e o comportamento do romeiro de Canindé, o romeiro de Canindé vem e volta no mesmo dia, na sua maioria, o romeiro de Juazeiro passa três dias porque vem de mais longe.
CICA- A gente encontrou várias que passam até uma semana, tinha outras que passava quase dez dias.
PADRE MURILO- E vindo pra passar três dias, ele tem que preencher com outros aspectos, então aqui vem o segundo aspecto da festa de Nossa Senhora, ela é um acontecimento religioso, mas é também um acontecimento social.
CICA- Eu queria complementar, no dia quinze há ainda uma procissão a tarde.
PADRE MURILO- É, de Nossa Senhora.
CICA- Nossa Senhora das Dores, as quatro horas da tarde.
PADRE MURILO- Cinco horas.
CICA- E como é organizada essa procissão, como é que ela é a procissão?
PADRE MURILO- Assistiu?
CICA- Assisti.
PADRE MURILO- A procissão é uma ocasião em que a gente quer que as massas que estão na rua parem para festejar o andor, o andor é o triunfo é o aspecto triunfal, a procissão é um triunfo, é uma epopéia, é cima disto aí que a gente tem que satisfazer ao romeiro simples que quer ver o barroco folclórico, o seiscentismo, em que estandartes associações religiosas, vindas da revigência (sic) espanhola, portuguesa.
CICA- O senhor pode citar pra gente a estrutura da procissão?
PADRE MURILO- A nossa procissão não tem filas, mas as associações ficam dum lado e doutro, perto do carro andor, puxado por uma representação de um colégio, que todo ano pede para vir fazer uma homenagem a Nossa Senhora, como eles brigam na procissão porque brigam no dia sete de setembro na competição de quem melhor toca, tem que ser somente um, esse ano foi o Centro Educacional Moreira de Sousa, então a fanfarra vem, os alunos acham que aquilo ali é o momento de prestar homenagem a Nossa Senhora...
CICA- Os que vêm, vêm na frente?
PADRE MURILO- É, eles vêm na frente puxando as filas das associações, depois, as associações uniformizadas.
CICA- Quais?
PADRE MURILO- Todas, que são Irmandade do Santíssimo Sacramento, mais perto do carro andor, segundo o Apostolado da Oração, e União das Filhas de Maria, Congregação Mariana, Confraria de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e as outras das outras paróquias que vem. Este ano nós re-introduzimos uma coisa que não estava sendo cumprida em três ou quatro anos passados, a presença dos atiradores formando um cordão de isolamento e de proteção para que o romeiro, que quer tocar no andor, que faz promessa de tocar no andor, não toque carregando as flores.
CICA- Mas o romeiro pode tocar no andor?
PADRE MURILO- Toca, tira, fica com as flores, é tudo lá, nós fizemos um carro especial pra eles, cada andor de Nossa Senhora é em cima dum carro próprio, com guidom, sem motor e é empurrado por eles, eles é que empurram.
CICA- Os romeiros?
PADRE MURILO- Os romeiros, os devotos. Uma hora antes da procissão nós colocamos o batalhão de fotógrafos, para tirar fotografias com os romeiros que quiserem, para ver se eles deixem a gente andar direitinho, a procissão, sem atormentar.
CICA- Eu vi você pedindo isso na missa do chapéu.
PADRE MURILO- Porque é uma novela. Bom, aí em seguida nós damos um percurso pequeno, porque a nossa intenção é conseguir que para o ano nem essas banquinhas fiquem aí, para poder a gente encerrar patrioticamente, o encerramento da procissão consta de dois minutinhos ou três de louvor a Nossa Senhora, renova-se a demonstração do adeus, então nós entregamos ao resto um agradecimentos aos romeiros feito por fogos de artifício.
CICA- O senhor falou que nem colocasse as banquinhas. Quais as banquinhas?
PADRE MURILO- Umas banquinhas portáteis que tem naquela pracinha em frente a Matriz, que dificulta o carro andor chegar até ao centro, mas esse ano não conseguimos ainda, conseguimos o espaço, mas não conseguimos...
CICA- Aí se encerra oficialmente a festa com a procissão de Nossa Senhora das Dores.
PADRE MURILO- E à partir do último pingo de fogo transfeito em lágrima, que cai da torre da igreja, os romeiros vão embora, com choro, com lágrima, a noite inteira ninguém dorme nessa noite. Não sei onde é que vocês estavam hospedados, mas sei que...
CICA- A gente ficou aqui na praça durante a noite vendo os romeiros indo embora, ficou olhando exatamente o movimento, a gente olhou a praça se desfazendo.
PADRE MURILO- Tristeza, uma sensação de coisa acabando.
CICA- O senhor podia falar um pouquinho também sobre esse aspecto social e comunitário da festa?
PADRE MURILO- O aspecto social, é que antes da festa a gente convoca uma comissão da cidade, os líderes da cidade, as organizações que alimentam a cidade, como CAGECE, a COELCE, a Maçonaria, para uma operação romeiro.
CICA- Isso aí já é a própria organização da festa?
PADRE MURILO- Já é a organização da festa que motiva.
CICA- Quanto tempo de antecedência?
PADRE MURILO- Muito tempo, é no mês de agosto, geralmente eu lanço a festa no dia vinte de agosto, então para o dia vinte de agosto já acontece a primeira reunião com as lideranças.
CICA- Mas antes o senhor já tem preparado toda a programação da festa?
PADRE MURILO- Toda.
CICA- A programação é programada por quem?
PADRE MURILO- Pela equipe de pastoral. O conselho pastoral se reúne, eu digo do temário, etc., entrego...
EDVAR- A partir de quando mais ou menos?
PADRE MURILO- Na primeira semana de agosto. Aí eu digo o tema, ou peço sugestões. No fim de julho eu faço uma reunião com o conselho paroquial, perguntando se não querem mudar o esquema da festa, se querem voltar para as barracas, pra leilões, etc., eu faço essa pergunta. Então a nossa festa é muito simples porque não tem arrecadação financeira, tem um ofertório de livre e espontânea vontade que dividido nas noites pelas categorias, as pessoas entregam na hora da missa.
CICA- O senhor tava dizendo que congrega várias associações a partir do dia vinte para...?
PADRE MURILO- A partir do dia vinte para fazer o esquema da festa, os noitadas, por exemplo, a gente pega aqui e diz o seguinte: noite da Pastoral da Juventude, os jovens vão escolher o dia que quer da festa. “Queremos no Domingo, padre, porque só no domingo que nós podemos tá todos juntos.” Então eles tão aqui no domingo dia três, e assim por diante.
CICA- Cada noitário escolhe o que ele quer.
Padre- Escolhe o dia que ele quer.
Cica- A casa em que a santa é louvada durante a noite é escolhida por quem?
PADRE MURILO- É escolhida pelos bairros. A gente escolhe um dos bairros da cidade.
CICA- Mas o senhor que escolhe, ou a própria comunidade?
PADRE MURILO- Não, a própria comunidade.
CICA- Decide a casa que vai?
PADRE MURILO - Vem: “fulano de tal pediu. O que é que vocês acham?” “Ótimo, tudo certo.” Por isso eu não tenho trabalho nisso aqui, o meu trabalho maior é o com o aspecto chamado comunitário, quer dizer, vem ser esse imediatismo que Juazeiro sofre porque é uma cidade pobre que vê suas ruas ficarem da noite para o dia cheias de pessoas que de qualquer maneira deixam dinheiro na cidade, então nós vemos um deslocamento de pessoas que podiam está ajudando a comunidade, teve necessidade de se exporem às romarias e ganharem um pouquinho mais naqueles dias, porque é um tempo rico de presença de gente, de vendedores, de tudo, então a comunidade fica com as primeiras noites da novena, porque das três em diante os romeiros tomam conta da cidade, ou então tomam conta das pessoas que por causa deles vão ter que dar noites e noites de trabalho sem dormir, pessoas que alugam sua casa e vem morar na casa da sogra, alugam pra hospedar romeiros por um milhão, por exemplo, durante os três dias, pra cem pessoas, e com esse milhão que recebe compra numa casa, santos, imagens, em consignação bota uma banquinha, tá ganhando lá e tá ganhando cá, então isso é muito comum nas camadas mais baixais do comércio. É também comunitário porque, como você viu pelo programa, as classes exercem de uma maneira muito responsável e livre, o exercício da partilha, vem doar, homem do campo vem trazer, não vou buscar em casa de ninguém, coloco um dispositivo aí ele vem trazer a oferta, o óbulo da festa de Nossa Senhora. Porque na zona rural geralmente está ligado a um pedido feito do durante a seca, quando o inverno tá ameaçando, se eles conseguirem safrejar suficientemente, trariam uma cuia de milho, uma cuia de arroz, uma cuia de feijão, de fava, que nós temos aí todos aqueles nomes de pessoas que vieram contribuir dessa maneira, é a noite do agricultor. E assim a sociedade vai se envolvendo toda, as pessoas compram uma roupinha melhor, se apresentam na festa, eles num podem sair todos de casa, sai um pra num deixar a casa pra evitar que roubem, e toda a comunidade é embalada, se torna uma festa da comunidade.
CICA- E essas associações que o senhor convida, elas fazem o quê? O senhor disse que também convida a CAGECE?
PADRE MURILO- Essas associações elas são convidadas a darem um duro para acolher bem o romeiro durante a festa e se mobilizarem .
CICA- Cada uma fica responsável por o que ela vai fazer?
PADRE MURILO- Por exemplo, Tiro de Guerra, ai nós deixamos a operação romeiro, vai desde o desejo de controlar a entrada do romeiro até a mobilização, por exemplo, Secretaria da Saúde vai se encarregar de colocar cinco, seis postos, ou farmácias de emergências, por exemplo, aqui nós já tivemos duzentas e tantas pessoas durante esses dias de romaria, os hospitais, não fazerem tanta exigência para atender o romeiro, não tem documento, não tem INPS, então se compromete. Tava lá na reunião o presidente dos hospitais, vamos abrir um espaço de leitos, etc., pra atender o romeiro. Aí vem o da COELCE, vem o da CAGECE, vem o da Segurança, cada um fica responsável por sua parte, o Lions Club que deu um duro maior do mundo, os Escoteiros, os voluntários, a polícia mirim, aí vem a segurança reforçada na cidade em vários setores. Isso se chama Operação Romeiro. As emissoras que defendem cinqüenta por cento deles, publicam, ficam a disposição, vão entrevistar o romeiro. Os padres das comunidades todas, por exemplo, o padre que vai celebrar no Horto, saber que a pregação deve ser em comum com o tema da festa. Toda a cidade é dividida, cada padre recebeu o programa, a programação, dá presença, porque só assim a gente quer fazer esse...
CICA- Uma pessoa que quer botar uma barraca lá na praça, precisa pedir autorização a igreja?
PADRE MURILO- Não, só a Prefeitura. A única coisa que a gente pede é que não coloque em cima do patamar.
CICA- Mas a pessoa se inscreve na prefeitura?
PADRE MURILO- Se inscreve na prefeitura.
CICA- Recebe algum crachá?
PADRE MURILO- Recebe e não cobra nada.
CICA- E a pessoa recebe algum canto pra ficar ou a pessoa que escolhe?
PADRE MURILO- É marcado, remarcado, e brigado um mês antes.
CICA- Cada um já sabe aonde é que vai ficar.
PADRE MURILO- Sabe, o dia que sair o compromisso.
CICA- É sorteado isso?
PADRE MURILO- Não, é não, vem os tradicionais, os mais antigos, cada prefeito dá um colorido novo.
CICA- Por que é que a festa daqui não faz opção pelo leilão, que é muito comum nas festas de santos no interior?
PADRE MURILO- Fui eu que acabei. O leilão discrimina, fica realmente aquele rico, e os pobre olhando, e muitas vezes com raiva.
CICA- Qual é o nome do senhor?
PADRE MURILO- Francisco Murilo de Sá Barreto.
CICA- E há quanto tempo o senhor está aqui na paróquia?
PADRE MURILO- Desde do dia seis de fevereiro de mil novecentos e cinqüenta e oito (1958).
CICA- Trinta anos?
PADRE MURILO- Com um mês e quinze dias de padre. Trinta e um.
CICA- Realmente o senhor deve gostar muito daqui?
PADRE MURILO- É, eu acho bom, eu me canso, me mato, sei que a minha vida vai ser mais breve por causa do cansaço, num tem quem agüente, todo mundo ficou dormindo no outro dia, eu me levantei as quatro e meia.
CICA – Mas em compensação o senhor é uma pessoa muito querida pelos romeiros.
PADRE MURILO- Bom, é que o romeiro pra mim, eu sou sincero, é uma pessoa de Deus, antes de mais nada, eu vejo no romeiro aquilo que eu prego, pra mim eles são os bem aventurados.
CICA- O senhor mostra pra gente que não descrimina o romeiro?
PADRE MURILO- Pelo contrário, me desgasto, pego briga aqui quando um caba bole com um romeiro.
CICA- Você trabalha o romeiro em cima da catequese.
PADRE MURILO- Em cima da evangelização.
CICA- Aproveita os dias da romaria pra fazer a catequese. Se pra cada festa, que acontece aqui, no caso das Dores, Finados, Nossa Senhora da Candeias, se há toda essa organização por parte da paróquia?
PADRE MURILO- Há, por exemplo, a Romaria de novembro vai ser maior, porque cada romeiro que assistiu e gostou, vai trazer um, não precisa você fazer propaganda de romaria no Juazeiro, receba bem o romeiro, que é ele quem vai dizer que rancheiro fulano de tal é ladrão, que beltrano não atende ele, nem que o padre fulano de tal acolhe você, então eu vou olhar. A festa de novembro desse ano já vai ser muito grande, por quê? Porque agora houve umas coincidências sérias, as chuvas em Alagoas, as enchentes no Recife, vai enricar fortemente a romaria aqui. Então, como eles não podem deixar de vir, vão vir na festa em novembro. Se você puder vir, venha pra ver, pra ver o confronto. Em novembro vem também estudante demais, porque é feriado, aumenta muito, e é também muito animado, porque a romaria ainda tem um aspecto..., a festa da padroeira também ainda tem um aspecto social muito forte, comunitário, é porque ela é um momento de lazer, essas pessoas que vivem morrendo de trabalhar lá no cabo da inchada, na zona da mata, elas vem pra aqui se encontrar, dançar em carrossel, ir pra festa, etc., ir pro cinema, que nunca mais foi com a coisa, esse tipo de coisa.
EDVAR- Quando o senhor foi ordenado?
PADRE MURILO- Eu me ordenei em quinze de dezembro de cinqüenta e sete.
EDVAR- Como foi essa decisão, o senhor tinha já tinha alguma ligação com Juazeiro?
PADRE MURILO- Não, é o seguinte, a gente se ordena e o bispo bota pro lugar que quer, nem consulta a gente. Ele se dando bem a gente devolve ao bispo o desejo de ficar, ou de sair, se colocar a disposição. Quando eu me ordenei em cinqüenta e sete, seu bispo me mandou pra aqui dizendo que comigo enviou três colegas do meu tipo, com a mesma mentalidade. Depois de um mês ele mudou de ponto de vista, dividiu a cidade com outra paróquia, Padre Onofre, ficamos nós dois. O padre velho não podia mais, eu fiquei agüentando o banzeiro de lá pra cá, até hoje. Hoje nós somos duas paróquias, mais dois religiosos, quatro, e agora vamos ter uma, cinco.
EDVAR- Como é que o senhor observa a evolução desses anos que o senhor está aqui, tanto, por exemplo, do ponto de vista do crescimento quantitativo, igualmente na presença de romeiros, e do ponto de vista da devoção, quer dizer o que tem mudado no aspecto devocional?
A PADRE MURILO- O aumento da romaria tem se dado face a esse meios de comunicação, televisão, rádio, face também é uma mudança de enfoque feita por alguns bispos, padres, a respeito do Juazeiro, uns certos lances de simpatia, a pastoral também introduziu as romarias da terra, que dizer aproveitada aquilo que religiosidade popular já tinha consagrado, e incentivou fortemente. Então nós estamos diante de coisas novas. Por outro lado a posição da hierarquia face ao Padre Cícero cresceu, nesse sentido de evitar confrontos, atitudes drásticas, e abriu um pouco mais para se valorizar dentro das exigências da igreja de Medelin, da igreja de Puebla, a religiosidade popular e a envolvência do padre Cícero, que é um apenado na igreja. E por outro lado, que a razão maior é essa, os romeiros começaram a ser assistido, orientados, essa orientação aqui na paróquia ela tem uma organização, quer dizer, a paróquia aceita o desafio de ser um centro de romaria, e eu fui tateando nos primeiros anos, sendo o pároco mas não sendo um técnico, até que eu cheguei a conclusão que para eu interpretar todo o mundo religioso do romeiro, eu teria que ter dicas e posição científica, então, eu recebo a oferta das irmãs Cônegas de Santo Agostinho, com tese em doutoração sobre psicologia de religião, para um primeiro estudo do fenômeno, e pedir que elas encaminhassem o estudo para servir a pastoral, não simplesmente pra doutorar, colocar ali na estante, mas que fosse um serviço, numa bandeja oferecida a pastoral. A partir daí a gente começou a se organizar, a formar equipe, a estudar, a conversar com o romeiro, a gravar, a cantar, a não tirar o espaço religioso do romeiro. A igreja oficial em Canindé ela quase não dá vez voz ao romeiro, porque o calendário é oficial, são missas e rituais da igreja de cima pra baixo, nós preferimos criar um espaço em que o romeiro chegasse do jeito que quisesse, cantasse o que quisesse, louvasse o que quisesse, e depois em razão duma troca, eles fossem sensíveis aos convites que a gente ia fazer para a preparação do batismo, para a preparação das confissões, para preparação dos casamentos, pra não vir pra aqui sem falar com o seu vigário, sem ser orientado. Isso transformou o nosso trabalho numa pastoral de romaria, pastoral de romaria que os vigários começaram a abraçar, porque descobriram que estavam perdendo uma grande oportunidade de ter muitos fiéis engajados em seus vários movimentos lá na paróquia, e então entra em jogo o trabalho das irmãs, a formação de agentes missionários leigos, a preocupação com os jovens engajados com a pastoral, mais de cem jovens trabalharam nessa festa, e trabalharam com dedicação, com amor. Por que? Porque o romeiro deixou de ser um incômodo e tornou-se um companheiro de luta, e essa mudança fez crescer e se organizar o romeiro, nós temos humildade mas temos convicção de que sabemos o que queremos e para onde vamos, levar a proposta da palavra de Deus ao homem que se espacializa aqui no Juazeiro, independente das questões pendentes, da honestidade ou não do processo de romaria no Juazeiro, quer dizer, não vou perder tempo pra saber se aqui houve um milagre ou não houve para o romeiro vir, eu vou a partir do fato, ele está, e descobrir os motivos porque ele se transporta pra Juazeiro e não pra Barbalha, ou para o Crato que era a terra de Padre Cícero, ele tá aqui, então enfrentando isso aqui o que é que eu posso fazer? Servir a ele com fraternidade, procurando humanizar a romaria, depois nós tiramos cinqüenta por cento do purificatório das romarias, essa espécie de catar se o romeiro vem e quer massacrar-se com pedra na cabeça, milho no joelho, vestes pesadas, nós fomos sublimando um pouco, tirando isso e achando que eles já são sofridos.
CICA- O senhor falava na missa?
PADRE MURILO- Nas reuniões, na missa, na catequese, na hora do batismo.
EDVAR- No início, nesses anos que o senhor passou, o senhor observa naquele início havia muito isso?
PADRE MURILO- Demais, subiam ao Horto de joelho, entravam na igreja com pedra na cabeça, de joelho, pés furados, agora mesmo eu mudei uma promessa duma senhora que há vinte anos vem sem sapato, expliquei a ela que...
EDVAR- O senhor conseguiu convencer?
PADRE MURILO- Expliquei a ela que isso tava ofendendo a ela, as varizes dela aumentavam, o médico, tá aqui o atestado médico, porque o seguinte, a igreja não pode, a igreja tem que ser libertadora, “a igreja nãovai querer isso, ela vai querer que a senhora faça uma modificação interior, vamos amarrar um pouco a língua por exemplo, falar menos, etc.” e ela saiu convencida, havia muito isso, ainda há, mas a gente tá chegando lá aos poucos.
EDVAR- Esse aspecto que antigamente, não só aqui mas em todo Nordeste, essa questão dos beatos, essas pessoas que se dedicam mais..., que tem tendência de ser... isso ainda existe? O senhor viu se nesses anos vem diminuindo, se ainda tem?
PADRE MURILO- O beatério, que é a organização dos beatos, ela transparece pra nós o desejo de uma organização da igreja popular, quer dizer, pessoas que querem servir a Deus, que escutaram pelos ditos que existe esse tipo de consagração na Europa, através das ordens religiosas, e que não podem ir a Europa pra se tornar uma delas, que podem aqui viver a maneira Nordestina. Padre Ibiapina então pegando essa parte de motivação, transformou em serviços aos pobres, aos humildes, aos órfãos, aí nasceu a organização da Casa de caridade, organização popular, feita com mutirão, em que moças da sociedade consagraram seu corpo e sua vida a viver a abstinência do sexo para trabalhar pela causa da catequese, dos pobres, isso foi dando uma orientação, um código de postura, de exigências e fundaram-se em todo Nordeste, umas não puderam ficar porque sofriam de distúrbios mentais, etc., alguma paranóia mas não perderam a vocação, de volta se agregavam as suas paróquias numa periferia religiosa, não eram oficialmente beatas mas viviam com suas roupas, suas franjas, seus colarinhos, seus aventais, suas coisas de beata, e o povo reconhecia como beata, porque e a linguagem do povo não vai esperar uma oficialização não, dela conversa em torno disso. Hoje em dia está mais difícil mas ainda existem muitos aqui em Juazeiro, pessoas que fazem voto de serviço a igreja através da consagração, da dedicação, da obediência, mas sem formar comunidade primitiva dos beatos, que no tempo do padre Cícero era muito forte.
EDVAR- Inclusive do ponto de vista da organizações econômica das comunidades de produzir em comum.
PADRE MURILO- E traziam voto, traziam o dote, que era uma ajuda que traziam a sociedade, elas se mantinham, hoje ainda há isso muito fortemente, há grupos que estão re-descobrindo essa congregação leiga, serviço leigo, a devoção leiga, a vida comunitária, os trabalhos, no caminho do Horto há muita espécie disso, há casos que estão surgindo com experiência religiosa, três, quatro pessoas trabalhando junto, vivendo junto, como missionários.
EDVAR- Nós vimos aqui nessa festa alguns remanescentes de índios. O que é exatamente aquele grupo?
PADRE MURILO- É um grupo que veio de Santa Brígida.
CICA- Aonde?
PADRE MURILO- Na Bahia. Então eles vêm por causa da dona Dodô que é uma líder religiosa.
CICA- Mora no Horto.
PADRE MURILO- Aqui mora no caminho do Horto, mas ela é de Santa Brígida, uma cidade em que eles estão em comunhão com a igreja mas eles exercem o comunitarismo, quer dizer, eles plantam em comum, colhem em comum, vivem em casa isoladas mas dentro da organização rural, há imitação dos tributos judeus, é claro, a imitação distante...
Colaborador Elias Romeiro

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