terça-feira, 16 de novembro de 2021

Museu Orgânico Casa de Telma Saraiva é inaugurado em Crato

 Museu Orgânico Casa de Telma Saraiva é inaugurado em Crato

Para manter vivo o legado e a memória de mestres, artistas e personalidades da história cearense, o Sesc Ceará, em parceria com a Fundação Casa Grande, inaugurou neste sábado (13), o 8º Museu Orgânico na região do Cariri. Trata-se de uma homenagem que preserva e eterniza a importância da artista, foto-pintora e fotógrafa, Telma Saraiva, precursora na arte da fotografia pintada à mão desde a década de 40 na cidade do Crato. Este é o primeiro museu que faz uma homenagem póstuma a uma personalidade do Ceará.

O projeto dos Museus Orgânicos, segundo Alemberg Quindins, gerente de cultura do Sesc Ceará, tem como principal premissa estabelecer vínculos entre patrimônio material e imaterial justamente onde essa tradição pulsa e está enraizada: em suas moradas. “As casas se constituem em lugares de memória e de afeto, assim, tudo o que está ali marca a história daquele território, inclusive os moradores, suas vestimentas, fotografias, objetos, instrumentos e tudo aquilo que marca o cotidiano de mestres e artistas”, afirma. Com a proposta de reunir 17 museus em uma rota de preservação da cultura e suas manifestações, de maneira orgânica, o projeto também tem a missão de fomentar o turismo social.

Ao longo dos anos, a família de Telma Saraiva já havia iniciado uma curadoria entre as obras, instrumentos de trabalho e pertences pessoais da artista para montar um acervo que conta uma história de mais de 100 anos de fotografia no Cariri. Agora, o desejo que a mãe tinha de preservar sua memória recebe continuidade com os filhos a partir do projeto Museus Orgânicos do Sesc Ceará. “Uma das coisas que minha mãe tinha mais prazer era receber as pessoas aqui na sua casa e mostrar seus objetos. Quando vinham fazer fotografias, percorriam todo o espaço da casa até chegar ao estúdio, era como uma visita pela história da fotografia”, conta Ernesto Rocha.





Além do material já conhecido das pessoas que frequentavam a casa, o público também irá conhecer objetos inéditos de bastidores como laboratório de negativos, vários tipos de câmeras e entre elas a primeira câmera utilizada pelo pai de Telma no início do século XX. “É diferente de um museu comum porque aqui a oratória de quem está recebendo é que vai ser o encanto e vai fazer as pessoas viajarem no tempo e no legado da família”, explica Ernesto que mora ao lado da casa da mãe, como se fosse uma extensão do espaço, e irá receber os visitantes também em seu Café. “As pessoas vão sair da casa de Telma Saraiva e vão continuar vivenciando a sua história nesse outro ambiente que é uma morada de conteúdo, uma arquitetura de afeto”.

Um olhar de gerações

Uma edificação no estilo Art Déco, datada de 1926, faz parte da arquitetura histórica da cidade do Crato. Ali está situado o Museu Orgânico Casa de Telma Saraiva que outrora presenciou grande fluxo de pessoas a serem fotografadas, durante décadas, na região do Cariri. O contato com a arte da fotografia chegou à família Saraiva ainda no século XX, com a popularização da prática e a paixão do patriarca, Júlio Saraiva, dono do ateliê Photo Riso.

A homenageada, Maria Telma Saraiva da Rocha, nasceu em 14 de julho de 1928, já imersa
na fotografia, cresceu diante de câmeras e refletores e, na adolescência, desenhava com destreza e realismo a lápis. Sendo o Crato um dos primeiros municípios do interior a ter cinema, em 1911, o lugar proporcionava uma aproximação do público com a arte da imagem que, mais tarde, entrou na vida de Telma e a fez se apaixonar pelas imagens das mulheres divas daquelas narrativas.

Aos dezesseis anos, em 1944, começou a pintar suas fotografias e as de suas amigas, depois de ver na revista A Scena Muda, lançada no começo dos anos 20. Em busca do acabamento perfeito, também fez experimentos com aquarela e outros tipos de tinta. Aos 20 anos, em 1948, casou-se com o artista plástico e fotógrafo Edilson da Rocha. Depois de casada, continuou a morar na casa dos pais. Emerge ainda mais no meio fotográfico, seu esposo fazendo fotografias sociais, em festas e acontecimentos da cidade e ela recebendo as crianças, clientes do Photo Riso, para fotografar no seu jardim. É quando o Foto Saraiva se implanta dentro da casa de Telma.

Após ganhar uma câmera instantânea de um amigo, Telma começa a se dedicar ao ofício. Quando os filhos nascem, Ricardo, Roberto, Edilson Filho, Edilma e Ernesto, a artista segue os passos do pai, fotografando a nova geração, e vai além, faz pinturas com produções inusitadas, com objetos e bichos que tinha em casa. Essas fotografias de sua família eram seu portfólio, dentro da sua casa, uma imensa galeria de fotografias em preto e branco pintadas a mão, com o maior grau de perfeição. Todas assinadas, Saraiva Crato, a bico de pena e tinta.

Uma vida dedicada à arte

Dos anos 1950, até o começo dos anos 2000, Telma Saraiva fotografou artistas, toda uma sociedade, políticos, o clero, estudantes em conclusão de cursos, as Misses e ela mesma. Sempre que estava bem produzida, elegante, se fotografava, com ajuda de espelhos e cabo propulsor que disparava a câmera à distância. E muitas delas eram com as fantasias que ela mesma fazia para brincar o carnaval, inspiradas nas histórias, nas divas que via no cinema, nas fotografias postais que vinham no sabonete Lever. A coleção dos autorretratos pintados, que em uma época viveu nos álbuns e paredes da sua casa, ganharam o mundo.

Por volta de 2005, Telma deixa a fotografia por motivo de diagnóstico alérgico, em pleno advento da chegada da fotografia digital no Brasil. Para a artista, o novo sistema eletrônico fazia tudo.

Seu legado é percebido por muitos colecionadores, instituições, curadores e pesquisadores. Em 2006, com sua arte reconhecida em galerias de arte nacional, Telma aparece na Pinacoteca de São Paulo. Na galeria Estação, também em São Paulo, em 2008, Telma é vista nos seus últimos retratos inspirados nas fotos de Marilyn Monroe, que estariam na mesma exposição.

Uma mulher à frente de seu tempo e sensível às artes, Telma criou um patrimônio material e imaterial. Numa época em que as mulheres eram, em grande maioria, dependentes dos maridos, Telma era totalmente diferente, segundo relato do filho Ernesto Rocha. “No interior as pessoas falavam assim: ‘Ali é dona Fabiana de seu Antônio, dona Marli de seu Roberto’. E na minha casa era o contrário, seu Edilson de dona Telma, porque ela era a pessoa que comandava a casa, que tinha seu próprio trabalho e foi a responsável por construir seu patrimônio, criar seus cinco filhos. Ela é uma referência de mulher empreendedora e, tudo isso, através da arte, da câmera fotográfica e dos pincéis”, afirma.

Em 2007, foi reconhecida pelo Instituto Cultural do Cariri (ICC) como imortal, recebendo a Cadeira de número 14, da qual seu pai é patrono. Em 2015, com 86 anos, ela faleceu, sabendo que suas fotografias foram além do que seu rico bom humor e sua criatividade pudessem ver e sonhar. Os retratos de Telma, sua vida, seu comportamento diante o pioneirismo da mulher trabalhando com fotografia, é caso de pesquisas, trabalhos científicos, teses de mestrados e doutorados, filmes e de exposições que acontecem com o seu arquivo tão vigoroso.

O Museu Orgânico Casa Telma Saraiva salvaguarda a história da fotografia no Cariri. Com a trajetória do seu trabalho, é possível entender o princípio da luz, das cores, da alteridade e da representação do indivíduo. O retrato imperecível que ganha poder com o passar do tempo, e muitos e muitos retratos de Telma, ainda estão em centenas de casas pelo Cariri, isso atesta a força do seu trabalho e dedicação à imagem.

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