sábado, 30 de setembro de 2023

UM ENCONTRO QUE ME MARCOU! texto Dom Samuel OSB

 UM ENCONTRO QUE ME MARCOU!

Mal acordara e já me deparei com três coisas que lançaram no meu espírito as espessas trevas de uma profunda perturbação, o que me fez prever – embora não possuísse nenhuma bola de cristal – que aquele dia apenas nascido, não seria dos melhores e que ao final dele, as tristezas haveriam de exceder, nas minhas contas, as alegrias.

imagem : net

Habituado todos os dias a tomar banho morno, tive neste bendito dia de contentar-me com água fria. Foi a primeira coisa que me irritou! Um pouco depois, verifiquei seria necessário comer algo de que não gostava(ainda sim me alimentei) por não haver coisa melhor. E como complemento para potencializar a irritação que já não era pequena, verifiquei pesaroso que uma das minhas indumentárias prediletas estava um tanto quanto surrada e precisava ser urgentemente trocada por uma de aspecto mais apresentável.

Tinha lido que quando estamos irritados o melhor a fazer é não ficar parado, o que pode resultar numa congestão psíco-neurológica fatal. Foi então que resolvi submeter-me a terapia natural e gratuita (que dispensa consultórios, fármacos e profissionais especializados e em cuja eficácia sempre acreditei) de um passeio, na esperança que a claridade matinal que engalanava toda a natureza dissipasse a noite sombria que entrara na minha alma por causa de alimento, água fria e roupa.

Algum tempo depois de minha saída, deparei-me com um senhor que devia beirar os 40 e poucos anos e em cujo rosto deparei com um sorriso adolescente e despreocupado que não apenas chamou minha atenção, mas me comoveu em extremo, profundamente.

Num breve diálogo que travamos, disse-me que fazia 24 horas tinha se alimentado pela última vez, que há dois dias não tinha tomado banho e que por falta de dinheiro só podia dispor de uma única muda de roupa, que aliás era a que estava usando.

Ao perguntar-lhe como conseguia sorrir, “apesar de tudo” ele me disse que a sua situação, conquanto não fosse das melhores nem das mais desejáveis, era ainda venturosa se comparada com outras tantas, para as quais conseguia olhar com profunda compaixão.

Depois das despedidas, voltei para casa – agora menos irritado e mais tranquilo – revolvendo no espírito as palavras do velho Montaigne:

“Em tudo o que nos acontece, tomamos como ponto de comparação o que está acima de nós e olhamos para os que se acham em melhor situação; compare-se com os de baixo e não haverá miserável que não depare com mil razões de se consolar.”

Enquanto voltava para casa, musiquei por conta própria um conhecido provérbio árabe: “Eu me queixava de não ter sapatos até que encontrei um homem que não tinha pernas.”

E lá se fui eu, cantando com a manhã que há não muito tinha despontado!

colaborador : Dom Samuel Dantas, OSB

Dom Samuel(Émerson Dantas de Araújo), é natural de Mauriti- Ce. Monge professo solene de votos perpétuos do Mosteiro de São Bento da Bahia, Salvador. É licenciado em Filosofia e Bacharelado em Teologia pela antiga faculdade de São Bento da Bahia e mestre em Filosofia pela UFBA(universidade Federal da Bahia)


Nenhum comentário: