terça-feira, 2 de julho de 2019

Cícero – A anarquia de um corpo santo

Padre Cícero é o personagem com o qual  Samir Murad encerra sua bem-sucedida  trilogia de solos. A montagem, com direção de Daniel Dias da Silva, estreia  dia 05 de Julho no Maria Clara Machado
O Brasil tem na figura de Padre Cícero (1844-1934) um exemplo de dedicação à fé cristã. No Nordeste, onde ficou conhecido como “padim Ciço”, o sacerdote ganhou uma dimensão ainda maior, sendo venerado até hoje (sua estátua em Juazeiro do Norte é um exemplo disso). Por trás de cada mito há a figura humana. No caso de Cícero, o indivíduo Cícero Romão Batista, nascido no Crato, Ceará. Esse homem, com suas angústias, idiossincrasias e características que o marcaram é a figura central de “Cícero – A anarquia de um corpo santo”, novo solo do ator Samir Murad. O espetáculo, escrito e idealizado pelo próprio ator, encerra a trilogia sobre Teatro, Vida e Genealogia, iniciada em 2001 com “Para acabar de vez com o julgamento de Artaud” (escolhido um dos dez melhores espetáculos daquele ano pela crítica Bárbara Heliodora) e continuada com “Édipo e seus duplos” (2008). Em ambos, o trabalho físico do ator foi uma ferramenta de suma importância para contar as histórias. E isso ainda é latente em “Cícero – A anarquia de um corpo santo”, espetáculo com direção de Daniel Dias da Silva que estreia no dia 05 de julho, no Teatro Municipal Maria Clara Machado, na Gávea, onde cumpre temporada até o dia 28 do mesmo mês.

Samir Murad tem nos desígnios de Antonin Artaud (1896-1948) um norte para seu trabalho de ator. Murad parte do princípio de que o ator é o principal construtor da cena. De pé sobre uma extensa passadeira, que lhe serve de cenário, ele está sozinho em cena. Sozinho em  termos… Ele usa de seu corpo e voz para nos mostrar esse Cícero que está nos estertores de sua vida, já com a visão debilitada e sofrendo das agruras intestinais. Esse é o ponto de partida da trama, na qual diferentes relatos e narrativas (alguns cantados como ladainhas) são minuciosamente costurados como nas tramas de uma bordadeira.

E por essas veredas passam personagens da história de Cícero – real ou onírica. E aqui cabe uma explicação importante: Cícero (ante)viu, através dos sonhos, acontecimentos que acabaram por direcionar os rumos de sua vida e que, alguns deles, marcaram a história do próprio país – como a visão da deposição da Família Real Brasileira 20 anos antes de ela ocorrer de fato.

Como já dito, Samir Murad não está só. E empresta corpo e voz a diferentes nomes que passaram pela vida de Cícero. Cada um deles com uma dinâmica, um timbre, uma composição. Há desde personagens históricos como Jesus Cristo – que, em sonho, pede a Cícero para olhar por aquele povo do Nordeste – a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Há também figuras cruciais na vida do personagem como o médico Floro Bartolomeu, seu amigo; o pai, Joaquim Romão Batista, fundamental para sua ordenação (ele, que morrera vitimado pela cólera, alerta o filho, num sonho, para retomar seus estudos) e, claro, a beata Maria Madalena de Araújo, com quem ocorreu o que ficou conhecido como o “Milagre da hóstia” – o que propagou a fama de milagreiro do padre.

E, assim, Samir Murad descortina o mito para revelar o homem. Sem se ater a didatismos ou estereótipos. Longe de dogmas, mas munindo-se de conceitos de outras crenças e filosofias como o budismo e o islamismo. E encontra nos recursos de luz e nos poucos objetos de cena ferramentas para compor seu retrato. O figurino alude à batina ao mesmo tempo em que remete ao traje de um samurai. É do Japão que vem, aliás, outra referência importante para o ator: o Butô, mistura tradicional entre teatro e dança.

Nesses tempos em que homens são alçados a mitos num piscar de olhos (na política ou na indústria do entretenimento), Samir Murad faz o caminho inverso: sai do mito para buscar (e encontrar) o homem. E mostra, com isso, que o Brasil é algo ainda possível.

Ficha técnica:
Criação,texto e atuação:Samir Murad
Direção:Daniel Dias da Silva
Cenário e Figurino: Karlla de Luca
Desenho de luz: Felício Mafra (Russinho)
Trilha sonora: André Poyart
Preparação Vocal: Breno Pizzorn
Projeto Gráfico: Redson Pereira
Fotos: Fernando Valle
Produção Executiva:Wagner Uchoa
Mídias sociais e apoio de produção: Muna Omran
Costureira: Maria Helena
Realização: Cia. Cambaleei, mas não caí…

Serviço:
Temporada: de 05 a 28 de julho
Dias e horários: sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 19h
Onde: Teatro Municipal Maria Clara Machado Machado (Av. Padre Leonel Franca, 240, Gávea. Tel: 2274-7722)
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
Duração: 70 minutos
Classificação: 14 anos

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