terça-feira, 20 de junho de 2017

A história do canhão da guerra de 14 - Daniel Walker





















O canhão mostrado na foto é uma relíquia histórica, pois representa o símbolo da resistência de Juazeiro às investidas das tropas rabelistas na Sedição de 1914, na qual Juazeiro saiu vitorioso. A história desse canhão é bem interessante e pitoresca. 

Quando as forças militares estaduais do governador Franco Rabelo estavam se mostrando ineficientes para conter a rebeldia das forças de Juazeiro, um empresário fortalezense, Sr. Emílio Sá, dono de uma padaria no centro comercial da capital cearense, teve a ideia de fazer um canhão que seria, segundo ele, "a arma fatal para dizimar os rebeldes". 

O canhão foi fundido em bronze proveniente de um grande volume de moedas doadas pela população de Fortaleza, numa campanha feita à pressa, mas que deu bom resultado, porquanto em pouco tempo todo o bronze necessário para fundição do canhão de um metro estava à disposição do idealizador.

A chegada desse canhão, esperava-se, daria maior ânimo às forças rabelistas sediadas na cidade de Crato, cuja esperança de vitória havia desaparecido. Embora a fundição do canhão tenha sido feita rapidamente, seu transporte para o Crato foi uma empreitada longa, cansativa e, quando em combate, a ação foi desastrosa. 

Como a linha de ferro só ia de Fortaleza a Iguatu, o transporte do pesado artefato até o Crato foi feito numa carroça puxada por uma parelha de bois, trafegando numa estrada enlameada devido às fortes chuvas que banharam na época a região Caririense. Não foi nada fácil!

Com a chegada da arma fatal, o falastrão major Ladislau, comandante das forças rabelistas, num arroubo de arrogância mandou soltar um boletim espalhafatoso para despertar nervosismo nas tropas de Juazeiro, o qual entre outras coisas desaforadas dizia o seguinte: “O Juazeiro vai ser bombardeado a dinamite por poderosos canhões vindos de Fortaleza com extraordinários reforços de soldados e de munição. Rendei-vos, ainda é tempo”. 

No tocante aos canhões mentiu, pois só era um exemplar; porém disse a verdade quanto ao reforço de munição (vieram 100 mil cartuchos) e ao número de soldados (vieram mais 150 homens da Guarda Cívica). 

Irado com o desaforo do major Ladislau, o comandante Floro decidiu revidar e emitiu também um boletim, no qual vociferou: “Lemos o imundo boletim que vocês, acovardados, fizeram circular. Fiquem sabendo que aqui ninguém tem medo dos seus canhões, nem das suas 100 mil balas, nem das suas dinamites. Deixem de ser pulhas e venham, se têm coragem, para correrem pela segunda vez e última vez. Porque agora não daremos mais tréguas, podem ficar certos. Venham, venham, venham!”.  
Mais tarde ficou comprovado o quanto Floro tinha razão ao fazer tais afirmações. Mas o major Ladislau, fanfarrão como era,  não perdeu a oportunidade de enraivecer Floro mais uma vez e mandou outro boletim desaforado nos seguintes termos: “Floro, seu bandido. Nestes dias te mostrarei como se zomba de um governo. Tua cabeça irá para Fortaleza servir de exemplo aos outros miseráveis teus companheiros. Floro, ladrão, Não terás a honra de morrer a tiros, mas sim sangrando no coração, miserável”. 

Depois o major Ladislau viu a besteira que fez, pois nada do que prometeu se realizou. 
A ordem que veio de Fortaleza era clara: para que a estreia do canhão tivesse amplas condições de lograr êxito era preciso antes matar Juazeiro de fome, através de um bloqueio nas estradas, evitando assim que os gêneros alimentícios chegassem à cidade. E o bloqueio de fato foi feito, porém Dr. Floro, estrategista como era, encontrou uma solução eficaz, mesmo sem contar com a anuência do Padre Cícero, seu cúmplice no comando da sedição. 

A solução empregada foi efetuar saques aos depósitos de alimentos dos sítios da vizinhança onde os soldados rabelistas não estavam vigiando. Padre Cícero não concordou com tal medida porque achava que isso se constituía crime de roubo. Diante da advertência do Padre Cícero, Floro retrucou com veemência: “Deixe de escrúpulos e me dê carta branca para resolver essa parada, se não quiser ser degolado pelos soldados da polícia!”.  

E Padre Cícero não teve outra alternativa, senão calar-se e deixar tudo a critério de Floro. 
Como a ideia do boicote das estradas não surtiu o efeito esperado, o major Ladislau foi obrigado  a antecipar a estreia do tão esperado canhão. Mas logo no tiro de ensaio, realizado ao ar livre para toda a população cratense assistir, o canhão de Emílio Sá foi uma tremenda decepção, pois o tiro literalmente saiu pela culatra. O estrondo foi realmente grande e destruiu a carroça de madeira que lhe servia de base, sendo preciso improvisar um novo estrado, agora de ferro e feito à pressa.

O primeiro tiro do canhão foi um sucesso, mas apenas em estrondo e fumaça, e isso certamente desanimou o comandante da tropa rabelista. Mas como não havia tempo a perder, o certo mesmo era retomar os ataques a Juazeiro, na esperança de que o canhão, cujo fracasso inicial não era do conhecimento das tropas rebeldes, cumprisse a missão para a qual foi construído. 

Assim, no dia 21 de janeiro de 1914, mesmo contrariando a ordem do governo de prolongar o boicote das estradas,  o desastrado major Ladislau ordenou um novo ataque, agora com mais munição e  o reforço da Guarda Cívica, vindo de Fortaleza. 

Essa Guarda Cívica não era propriamente uma tropa militar com treinamento de caserna. Era, na verdade, um grupo de civis voluntários convidados em cima da hora e portanto sem nenhum preparo para a luta armada. Ela teve de ser acionada porque praticamente todo o contingente militar do governo já estava em campo. Os poucos militares que não foram deslocados para o Crato ficaram para guarnecer a capital. 

Em combate, o canhão foi mesmo um tremendo fracasso! Seu tiro era de fato estrondoso, entretanto tinha pouco alcance, de tal forma que o projétil lançado nunca chegava ao alvo esperado. Serviu mesmo foi de gozação para as tropas de Juazeiro. Toda vez que se ouvia o tiro do canhão, os rebeldes de Juazeiro gritavam em coro: “Xô, maldita!”. E a bola de chumbo quente passava longe do alvo. 

Sem o canhão render o esperado, o major Ladislau ordenou o recuo das suas tropas para Barbalha, em vez de Crato, e em lá chegando, deu a ordem jamais ouvida  num campo de combate: “Camaradas, é triste confessar; mas o Padre Cícero ganhou a guerra. Deus é grande, o Padre Cícero é maior. Mas o mato é maior ainda do que os dois juntos. Cada um cuide de si e ganhe o matagal”. 

Não foi preciso muito tempo para a tropa seguir o conselho. Ali mesmo, muitos soldados amedrontados debandaram; outros preferiram tirar a farda e fugir como se fossem civis, pois o mais importante naquele momento era não estar no local quando as tropas rebeldes chegassem a Barbalha. 
O canhão foi abandonado nos arredores da cidade e depois foi trazido pelas tropas vitoriosas até ao centro  e exibido como troféu de guerra, sob caloroso aplauso da população. 

O canhão (visto na foto abaixo) hoje está exposto no Memorial Padre Cícero, sendo uma peça bastante apreciada pelos visitantes. 


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