sábado, 19 de novembro de 2011

Titia Maroli, minha querida tia que se foi

As lágrimas deslizam lentamente dos meus olhos, com as lembranças que me vêm dos tempos da minha infância vividos na casa de titia Maroli. Um quarteirão acima da minha casa, na Rua São José, onde hoje funciona o Centro- cardio. A casa enorme e com um terreno ao lado que ia até a Rua Santa Rosa, cheios de laranjeiras, coqueiros, uma figueira, goiabeiras e pés de siriguela. Uma chácara no centro da cidade, pode-se dizer. Era gostoso brincar lá. Mamãe tinha o costume de visitá-la todos os dias para palestrar. Ali se juntavam as três irmãs, pois moravam bem perto, titia Odete, que residia em frente à casa de titia Maroli, e mamãe morava no outro quarteirão. E, gostávamos de acompanhá-la para nos esbaldarmos de brincar de se esconder atrás das árvores. Era muito divertido. Lembro da caixa d´água de alvenaria que ficava atrás da cozinha e que os meninos gostavam de brincar soltando aviões e para-quedas. Bom demais. A acolhida de titia para conosco era bem generosa, oferecia leite mugido na hora, tinha até um curral com uma vaca, chamada Veneza. E o mel de abelha tirado na hora, acredito que foi um dos primeiros apiários a existirem em Juazeiro. No dia da coleta do mel, a casa ficava infestada de abelhas, o modernismo não tinha atingido este setor e a forma de retirar o mel das caixas de madeira era com um fumaceiro. O fumaceiro era feito com uma vassoura de talo enfiado num cabo de madeira ou numa vara de palha de coqueiro, que  Seu Antônio, um senhor que morava na Rua Santa Rosa era contratado para executar este trabalho, apesar de sair todo picado das abelhas. E a distribuição que era feita com a família do mel em litros e também o favo que ia até acompanhado de algumas abelhas que insistiam em ficar. Certo dia, abusei demais e chupei bastante favo, nisso fiquei pálida, senti um enorme enjoo e um terrível mal estar, chamavam de raposa, não sei o motivo de ser chamado assim. Titia rapidamente me socorreu, massageou meus braços e me preparou uma dose de Bálsamo da vida. Melhorei, mas não quis nunca mais chupar o mel no favo. Titia quando ia para nossa casa, sempre à tardinha, descia acompanhada do seu fiel companheiro Rex, cachorrinho de tamanho médio, não lembro a raça, de cor preta e branca, rabinho peludo, e quando titia sentava, ele ficava bem próximo dos seus pés para que ela os colocassem em cima dele. Era muito gentil, não permitia que ninguém se aproximasse dela, latia logo. Quando terminei o Curso Normal, inexperiente com relação a trabalho, mamãe falou com ela a respeito de um estágio para mim na Lojas Credilar, de propriedade de titio Valdo, seu marido. A resposta foi positiva, e a minha gratidão a ela por esta intermediação foi imensa, nunca deixei de agradecer-lhe e mencionar este fato que me fez crescer e aprender muito no período de 1969 a 1977, trabalhando na loja. Quando estava noiva, ela estava vendendo umas colchas, lençóis de vira, artigos de cama e mesa, então me convidou para dar uma olhada nos seus produtos, pois podia ser que me interessasse para comprar algum, mas foi uma surpresa que ele quis me fazer, olhei tudo, depois ela perguntou do que tinha gostado mais, apontei para um conjunto de lençol de vira, branco florido e babados nas fronhas e na barra, muito bonito, apontei para ele, ela rindo, me abraçou e disse: pode levar é um presente que estou lhe dando. Quando meu primeiro filho nasceu, Michel, como ele não dormia bem, acordava bem cedinho e eu aproveitava e levava para casa dela devido o espaço, para lhe dar banho de sol. Ficava sentada no jardim com ele e ela aguando suas plantas, por elas tinha muito amor e cuidados. Quando ela mudou para o Bairro Lagoa Seca, se sentia isolada e ligava pedindo que fosse visitá-la. Ela dizia assim: Neuminha, venha passar uma semana aqui comigo, gosto tanto de você, minha sobrinha do coração. Rindo respondia: Titia, e Daniel, o que faço, não posso deixá-lo, ela imediatamente respondia: traga ele também. Tentei lhe ensinar o ponto de cruz, vagonite, para distraí-la, entretanto ela não conseguiu aprender. Outro presente que recebi dela e que guardo com muito carinho foi o livro A devoção à Divina Misericórdia e o Diário de Santa Faustina, e foi com a leitura dele que desenvolvi o hábito de rezar todos os dias o Terço da Divina Misericórdia. Quando o recebi não era tão divulgado e nem transmitido pelo rádio e televisão. Lembro da sua devoção extremosa ao Sagrado Coração de Jesus, a sua imagem grande no seu quarto para fazer suas orações e os seus pedidos. Dizia para mim: minha filha, se dirija ao Sagrado Coração de Jesus que ele certamente atenderá suas preces. Muitas vezes fui visitá-la na casa de Silva e Socorro, conversava com ela, segurava em sua mão, pedia a bênção e aproveitava para fixar meu olhar carinhoso para aquelas pedrinhas azuis, bem vivas. Nas últimas vezes já não abria os olhos. Guardo, entretanto, a imagem de uns olhos tão azuis, lindos e brilhantes que traziam para mim uma sensação de um carinho especial por mim. Que goze das delícias do céu, junto do seu amado Sagrado Coração de Jesus e de Maria Santíssima. 
Titia Maroli Macedo, viúva de Valdo Figueiredo, faleceu no dia 12 de novembro de 2011, aos 96 anos.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Teresa Neuma:

Li e gostei muito desta sua reminiscência pessoal.

"A lembrança é sobrevivência do passado." escreveu Bosi em seu livro “Memória e Sociedade”. A reminiscência favorece a integridade porque relaciona o passado ao presente, constituindo-se em uma vivência de continuidade de história de vida.

Não conheci sua tia Maroli, mas – na minha profissão de bancário – conheci Valdo Figueiredo, que tinha uma loja vizinha ao BNB, onde eu trabalhava. Eu sentia por ele uma dose de simpatia mesclada pelo respeito à venerável figura do Sr. Valdo, a quem conheci já na ancianidade dele...

(continua)

Anônimo disse...

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“Seu” Valdo está incluído na memória que guardo do Juazeiro do Norte, onde vivi durante cerca de 25 anos. Uma memória surgida de um “insight” (clareza súbita na mente, no intelecto, iluminação, estalo, luz, etc.) e do qual apertei a tecla “pause”.

Congelei, também – na minha mente – pessoas inesquecíveis como Antônio Corrêa Celestino, Amália Xavier, Padre Murilo, Assunção Gonçalves, Olívio Barbosa, Aderson Borges, dentre outras.

Minhas lembranças incluem o clima misticismo existente na Terra do Padre Cícero, quando os romeiros vinham só para rezar, quando eles se vestiam condignamente dentro de suas limitações materiais. Do Juazeiro onde predominava a cultura católica, onde não via manifestações de gays, onde a política era feita por lideres ligados à própria cidade, voltados para os interesses juazeirenses.

Enfim, guardo a lembrança de uma cidade orgânica, hospitaleira, tranquila, sem o trânsito caótico de hoje, sem violência, sem o materialismo que começa a dominar todos os setores da vida dessa urbe...

Armando Lopes Rafael